sábado, 15 de junho de 2013

O CHOQUE DAS REVOLUÇÕES ÁRABES


   Eis um périplo por um mundo de convulsões, de agitação e de transformações que marcam o renascimento, ou antes a revolução, numa das mais conturbadas regiões do mundo. Sociedades que exigem respeito e que se se sentem ameaçadas na sua identidade. É da compreensão desses fenómenos que se trata, todos eles distintos entre si mas todos possuindo um inegável elo comum.
   São movimentos expontãneos, a maior parte das vezes inorgânicos, e exprimem a ânsia de liberdade, igualdade, progresso e revolta contra as ditaduras. Mas apenas podem ser analisados se tivermos em conta o papel das fidelidades, aqui muito importante, e as diferentes conceções de obediência e de poder. As chaves para uma compreensão avisada  destes fenómenos efetivos ou latentes são três: a tribo, o exército e a mesquita. É nestes que se encontra a explicação para acontecimentos tão imprevisiveis e temidos.
   Na Argélia é o exército que deve merecer a nossa atenção, essa estrutura complexa e dinâmica herdeira da guerra de libertação, bem estruturada e dividida em exército nacional e exército das fronteiras, realidades autónomas mas pertencentes à mesma entidade orgânica. E depois há sempre o papel dos movimentos islamitas, aqui a FIS, cujas cisões fraticidas provocaram conflitos e instabilidade neste país do norte de áfrica. Visam, como sempre, a islamização da sociedade, têm a França e o ocidente como alvo e recorrem a raptos e outras formas de violência para impor as suas ideias. Mas o exército foi mais forte e, apesar de se revelar imprescindível uma transição democrática, os militares saem vencedores desta contenda.
   O estado da Arábia Saudita, por sua vez, resulta de uma remota aliança entre a dinastia Saud e um líder religioso de nome Al-Wahhab. Fahd não era descendente de Maomé e por isso precisava de alguma legitimação para reinar, ele e a sua familia, sobre uma teocracia de origem tribal. Intitulava-se «servidor dos dois lugares santos» para obnubilar essa falta de legitimidade. Este país forneceu soldados para combater no Afeganistão contra a URSS. E também foi base para os soldados ocidentais na guerra do golfo o que fez surgir entre os sauditas um nada conveniente sentimento anti-americano.
   O caso do Bahrein é complexo. As reservas de petróleo haviam-se esgotado e o país mergulhara numa crise bancária ocasionada pelo colapso financeiro de 2008. O rei é sunita (dinastia Al Khalifa) mas a população é maioritáriamente xiita. Opositores ativos querem a república islãmica e são apoiados pelo Irão. Há sublevações e manifestações e instabilidade mas o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) reprime os agitadores.
   As Comores são um arquipélago que constitui uma federação islãmica. Aqui o que constitui uma pedra no sapato é a ilha de Mayotte, mais abastada que o resto das ilhas, que optou pela ligação à França e que se assume como uma fonte de conflitos. A população é em parte sunita e em parte xiita. E foi um cidadão meio comoriano e meio francês que empossara, substituira e derrubara presidentes através de pronunciamentos e golpes e foi também daqui um dos mais terríveis terroristas em ação na áfrica oriental. Para complicar tudo, o futuro do arquipélago é hoje influenciado pelas mais importantes potências regionais e pelo ocidente o que vem lançar nuvens de incerteza sobre a tranquilidade e estabilidade do país.
   Ao Djibouti até da algum jeito a presença militar estrangeira visto que as compensações financeiras daí decorrentes dão ao país mais de metade do orçamento. Este pequeno enclave tem um presidente pró-ocidental e é habitado por duas etnias, os Affars e os Issas, que partilam os recursos de um estado cuja razão de existir parece ser o conflito do ocidente com o terrorismo islâmico.
   O Egito é o maior dos países árabes e o responsável por grande parte das dores de cabeça do presidente americano. Após o derrube do rei Faruk só houve militares-presidentes. É um país subdesenvolvido e dominado por frequentes crises de instabilidade. Compreendeu depressa as vantagens de fazer a paz com Israel e desde então tem mantido uma coexistência pacífica com o seu vizinho judeu. Mas com a primavera árabe e a queda de Mubarak surgem novas inquietações. Urge negociar com a Irmandade Muçulmana, organização muito prestigiada junto do povo egípcio. Mas esta, embora dominada por uma elite jovem, moderna e progressista também comporta militantes e simpatizantes violentos e radicais. É destes que saem as duas dissidências (Jihad Islãmica e Grupo Islâmico) que sem serem nada contemporizadoras têm bons resultados nas eleições e partilham com outros grupos muitos dos lugares do parlamento egípcio.
   Os Emiratos Árabes Unidos são presididos pelo Xeque Zayed Bin Sultan Al-Nahyan que foi sucedido pelo seu filho Bin Zayed partilhando o seu poder com o vice-presidente, o emir do Dubai. Este emirato chega a 2008 com uma dívida colossal e pede ajuda ao Xeque. Os Emiratos têm boas relações com o ocidente e os outros países muçulmanos. São um estado que alia a tradição e a modernidade e impõe a sua respeitabilidade.
   No Iraque coexistem três grupos étnicos: sunitas, xiitas e curdos. O xiismo é apoiado pelo Irão e constittui-se como sendo a fação designada dos seguidores de Ali, o genro do profeta. Nestes convivem as dissidências dos zayditas, septimamitas e duodécimamitas. Os imans mais importantes e conhecidos no Iraque são Ali Al-Sistani e Moqtada Al Sadr. Os curdos são uma fonte de problemas e repartem-se tanbém pelo Irão e pela Turquia.
   O reino hachemita da Jordânia assume aqui uma grande importância. Nele existe uma importante população palestiniana e verificam-se numerosos conflitos desta com a população jordana. A própria rainha Rãnia é de origem palestiniana embora tenha nascido no Koweit. Existem conflitos entre a população autóctone e a população de refugiados palestinianos ou iraquianos. Os islamitas estão também aqui muito ativos cusando muitas vezes desordens e insurreições. Este país é o centro de coexistência de populações de inúmeras proveniências.
   O Líbano é um país do médio oriente que se carateriza pela sua interconfessionalidade. Para garantir um natural equilíbrio cada autoridade tem uma origem determinada. Os estados vizinhos têem interferido no normal decurso dos acontecimentos. O país do cedro é um natural refugio dos palestinianos na sua imemorial luta contra Israel, uma sua naturalização em massa alteraria o equilíbrio de forças no terreno. O Hezbollah combate contra Israel, seu arqui-inimigo, no sul do Líbano apoiado pelo Irão. Os sunitas são apoiados pela Arábia saudita e pelo ocidente. Já foi inúmeras vezes exigido o desarmamento das ONG militares mas o Hezbollah recusa. Esta organização apoiou as revoluções árabes mas recuou no caso da Síria o que não deixa de ser sintomático.
   A Líbia é dominada pelas tribos nómadas que vieram do baixo Egito. Teve a sua independência em 1951. O rei Idris I é deposto pouco tempo depois, em 1969, e Kadhafi torna-se o líder revolucionário do país. Reforça o papel das tribos e envolve-se no terrorismo. Há que manter o equilíbrio entre as tribos Kadhadfa, Warfallah e Megariha bem como com a tribo rebelde dos Al-Zintan. Os Tuaregues também desempenham o seu papel. A Líbia é uma federação de tribos cada uma com as suas fidelidades. É impossível criar partidos politicos. Quando Kadhafi escreveu o «livro Verde» os islamitas passaram à clandestinidade e juntaram-se à Al-Qaeda. O presidente acabará por aliar-se ao ocidente mas por pouco tempo. Os islamitas fornecem soldados para combater no Afeganistão e cria-se a AQMI, braço magrebino da Al-Qaeda. O GICL acabará por juntar-se à AQMI. Kadhafi promete perdão e o GICL renuncia à violência. O líder libio afirma que a Al-Qaeda quer criar um regime taliban na Libia e os islamitas juram derruba-lo o que acabam por conseguir após uma guerra violenta no termo da qual Kadhafi é assassinado.
   Marrocos é uma monarquia de direito divino cujo rei, descendente de maomé, convive com uma maioria islamita. O primeiro sultão de marrocos data de 1664. O poder dos reis de Marrocos tem por base o Makhzen, conjunto de instituições regalengas de polícia, de guerra, de proteção, administrativos e de intervenção. Este corpo vem sendo equipado pelo ocidente e recebe dos cidadãos nomes pejorativos. Os islamitas têm três fações: populares, politicos e jihadistas. O Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD) é de um islamismo suave mas tanbém há grupos radicais. Os salafitas preconizam o regresso à religião dos antepassados. Destes os mais rigorosos são de tipo wahhabita. E alguns são jihadistas pois defendem a violência e levam a cabo atentados suicidas. O PJD acaba por ganhar as eleições realizadas no quadro duma nova constituição.
   Na Mauritânia existe um conflito com a Frente Polisário, apoiada pela Argélia que já levou à deposição de um chefe de estado. Superabundam golpes e contragolpes tendo o de 2005 levado ao reforço do caráter islâmico do estado. Desde os anos 70 coexistem três correntes distintas: uma, influenciada pela Irmandade Muçulmana egípcia; uma segunda, inspirada pelo movimento dos pregadores e, finalmente outra, dos salafitas mauritanos. Todos estes grupos são ultrapassados pelos desejos dos jihadistas. Mas o exército continua a ser uma barreira intransponível que anula os intuitos mais radicais. Em 2011 a juventude mauritana exigiu melhores condições de vida.
   Oman é o único sultanato do mundo. É chefiado pelo sultão Qabous que derrubou o seu pai num golpe palaciano sem derramamento de sangue. Tem sido um sultão progressista que governa um país onde 75% da população segue a doutrina ibadita, essa originalidade do islamismo kharijita. Aqui as mulheres são respeitadas e até de certa forma promovidas e as formas de participação do povo são mais que muitas.
   Na palestina vive-se o drama do conflito com o estado hebraico. mas os palestinianos estão divididos entre o Hamas, radical e que recorre frequentemente à violência, e a fatah, mais tolerante e que ficou conhecida como o partido do ex-presidente Arafat. A faixa de gaza ficou controlada pelo Hamas mas perante as investidas israelitas começaram a surgir dissidências no seio do partido guerrilheiro sendo agora o principal problema no terreno de reconciliar o povo da Palestina.
   O Qatar é um estado pouco populoso sendo de 80% a percentagem da população estrangeira. É a sede da estação de televisão Al Jazeera que emite em árabe e em inglês para todo o mundo e teve um papel determinante na resolução de conflitos inter-árabes. Será o palco do campeonato mundial de futebol de 2022. Está sujeito à chariá e tem como emir o xeque Hamad Bin Khalifa Al-Thani da tribo árabe banu Tamin. A emira è a sua esposa. Entre o povo existem dois tipos de pessoas: as de origem tribal árabe alegadamente privilegiadas e as que o não são sendo que estas se casam entre si. Fora das tribos há duas grandes comunidades religiosas: os Hula (sunitas) e os Bahârna (xiitas). Verificaram-se melhorias nos serviços públicos, na educação e no estatuto das mulheres.
   Na Somália o estado está anulado afogado nas lutas tribais e o país feito em retalhos. Os clãs são numerosos e existem inúmeros sub-clãs. Perante as lutas fratricidas a intervenção estrangeira era importante para defender a unidade do país posta em causa e os direitos humanos, miragem de sempre. A derrota dos islamitas que se adivinhava favoreceu os mais radicais, os Shebabs, grupos de jovens revolucionários islâmicos. Estes aderem à Al-Qaeda e perpetram ataques suicidas espetaculares que provocam o pânico. Urge mudar mentalidades para garantir um estado viável e a satisfação das necessidades das populações.
   O Sudão, «o país dos negros», é habitado por tribos que falam arábico no norte muçulmano e por etnias africanas no sul cristão. Entre o povo desencadeou-se uma guerra civil que culminou com a instituição do Darfur. No território sudanês vigora a chariá na sua aceção mais rigorosa em termos de defesa da probidade dos costumes. Existe uma vigorosa herança sufi, conjunto de seitas ou confrarias que se dedicam à contemplação e à ascese. Estão muito divulgadas e são uma face visível do islão em muitos países. Os islamitas, aqui como em todo o lado partidários da Al-Qaeda, depois de um período ativo, causaram incómodo e desilusão em particular entre os jovens. Mas a situação está longe de estabilizada.
   O estado sírio resulta dos acordos de Sykes-Picot no qual franceses e ingleses dividiram entre si o moribundo império otomano. A sua sobrevivência deve-se a uma útil aliança entre a minoria alauita protegida pelos franceses e o partido Baath. Após golpes sucessivos Hafez Al-Hassad torna-se presidente e governa com base na referida aliança. Sucedeu-lhe seu filho Bashar. Mas a composição étnica e confessional da Síria é muito complexa. Há curdos, drusos, arménios circassianos e ismaelitas. Judeus. Entre os cristãos (5%) há arménios ortodoxos, gregos melquitas, siríacos ortodoxos, católicos siríacos, arménios católicos, maronitas, protestantes, nestorianos e católicos caldaicos. Existe uma franja importante da Irmandade Muçulmana importada do Egito que apela à transformação pacífica, difícil num país com esta originalidade étnica e confessional. Mas, em 2011, a sociedade síria farta das tramoias engendradas por alauitas e o partido no poder iniciaram uma revolução que trouxe a guerra civil e a destruição a esta nobre nação.
   Na Tunísia a equação feminina assume um particular relevo. É o país islâmico mais moderno no que toca aos direitos das mulheres. Têm direito ao divórcio, podem abortar, casamento e educação entre outros. Apresenta um bom índice de desenvolvimento humano à frente de centenas de estados. Os islamitas têm exigido uma reislamização da sociedade e as mulheres, no meio de manifestações, golpes e violências vêm reassumindo muitas das suas tradições. Os partidos radicais levam a cabo atentados e os partidos conservadores têm ganho eleições. A Tunísia terá muito a perder se o povo abdicar do seu modo de vida. Os estados vizinhos não desejam um estado islamita no país de Bem Ali. Urge que se imponha a moderação.
   O Iémen resulta da unificação do norte com o sul. É um país pobre com um poder central fraco e é dominado por numerosas tribos e clãs. Trata-se aqui de um islamotribalismo. O presidente Al Saleh tem de se ver com várias tentativas de golpe e revoluções perpetradas por islamitas e pelo braço armado da Al-Qaeda no país, o AQPA (Al-Qaeda na península Arábica) que veem nele um aliado do inimigo ocidental. O Iémen é abrigo de jihadistas e tem sido intimado a deter as suas atividades.

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