sexta-feira, 16 de maio de 2014

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

 
   Assume particular importância estabelecer o que constitui a ciência e a boa ciência. A utilidade deste desiderato relaciona-se com a determinação do apoio à investigação por parte do estado e o investimento de dinheiros públicos em projetos científicos entre muitas outras coisas.  É dificultosa por vezes esta tarefa de conhecer o campo do verdadeiro conhecimento cientifico pois sofre constantes revisões a aquisição e a sistematização deste conhecimento. Há um grande ceticismo acerca da possibilidade de distinguir o que é ou não ciência. Precisamos decidir que metas e métodos caraterizam o pensar cientifico, pesquisar se disciplinas como a antropologia, a psicologia, a economia e a história podem ser consideradas ciência e qual as diferenças com a filosofia.
   Os positivistas lógicos acreditavam piamente nas potencialidades da ciência e justificavam o seu estatuto com base na sua estrutura lógica e as linguagens que ela utiliza. Mas outras linhas de raciocínio oferecem objeções a essas teorias. Karl Popper fala em falsificabilidade. Thomas Kuhn põe enfâse nos fatores sociais e históricos que determinam o sucesso de uma teoria ou curso de investigação. Por sua vez Thagard acentua o facto de o contexto poder fazer uma disciplina passar de cientifica a não-cientifica e vice versa.
   O pensamento sobre ciência é muito antigo e remonta à antiguidade grega. Na verdade já em Aristóteles a sua importância é evidente visando aqui a ciência a formulação de hipóteses para explicar um evento observado e rever as teorias caso as hipóteses não se mostrem alinhadas com a realidade. Aqui porém a ciência assumia um caráter muito primitivo. Mas o pensamento cientifico evoluirá  e a partir desta base conseguirá prodígios futuros. O salto verdadeiro foi dado quando o homem começou a intervir de facto na natureza.  No entanto durante muito tempo o que se sabia sobre a ciência não se afastava de observações ligeiras e por isso a distinção entre filosofia e ciência resultava muito difícil.
   Entre as afirmações há as sintéticas, sobre as quais não podemos saber se são verdadeiras ou falsas ao refletirmos sobre a sua estrutura lógica ou o significado dos seus termos; e as analíticas, em que podemos dizer se são verdadeiras ou falsas em face do referido anteriormente. Ora, segundo os positivistas lógicos as afirmações sintéticas só têm significado se forem corroboradas pela experiência. Há no entanto aquelas que não são pela sua natureza verdadeiras ou falsas mas que nunca poderiam ser verificadas empiricamente. Estão neste caso, por exemplo, as afirmações éticas. As afirmações cientificas distinguem-se das da lógica, filosofia, religião ou da literatura por serem sintéticas e verificáveis pela experiência.
   Segundo Alfred Ayer as afirmações éticas nunca podem ser verificadas pela experiência. Isto conduz-nos a infindáveis discussões sobre a matéria sem qualquer resultado palpável. Trata-se aqui de encarar as coisas como elas deveriam ser e impregnadas de uma clara dimensão normativa.
   Hans Reichenbach argumenta que estas afirmações são expressão de inclinações e desejos e por isso nada valem.
   A metafisica é encarada enquanto poesia. O mundo das formas não pode ser apreendido pelos sentidos e não sendo os seus postulados analíticos também não podem ser verificados pela experiência. No entanto as hipóteses metafisicas desempenharam um importante papel no desenvolvimento e na história da ciência.
   O positivismo lógico propõe portanto o critério de verificabilidade como baluarte da veracidade das afirmações cientificas e Popper contrapõe esta tese dizendo que a ciência é diferente de pseudociência pois aquela pressupõe a produção de hipóteses falsificáveis. Mas este critério também não parece suficiente já que há hipóteses falsificáveis que não são cientificas e o contrário.
   Thagard concorda com Popper que, por exemplo, a astrologia é uma pseudociência mas refere que este facto não tem a ver com a falsificabilidade tal como Popper a defendeu. A disciplina cientifica pressuporia assim métodos e princípios partilhados e assentes por uma comunidade de praticantes. Na tentativa de ridicularizarem a astrologia alguns teóricos defendem que ela tem origens religiosas. Paul Feyerabend, por sua vez, lembra que também uma ciência respeitável como a química parece provir de antecedentes mágicos: a alquimia.
   As ciências sociais e humanas possuem uma metodologia específica e outras especificidades muito próprias. O seu objeto é a compreensão do real. Se nos ativermos à sociologia reconheceremos que as generalizações são aqui infrutíferas e as observações não são repetíveis e por isso não é viável fazerem-se experiências. Além disso as diversas variáveis não podem ser controladas e portanto é no geral complicado fazerem-se previsões. O sujeito que investiga é ao mesmo tempo o objeto da investigação. Num grupo social o todo é sempre maior que a soma das partes (holismo). A compreensão que buscamos implica por seu lado uma relação de cumplicidade e empatia.
   Kincaid diz que pode haver leis em ciências sociais, não à maneira das ciências exatas como a física, mas como afirmações que isolam fatores causais relevantes. Os fenómenos investigados são pessoas dotadas de livre arbítrio e por isso únicos.
   Relativamente ao pensar cientifico devem tecer-se alguns comentários.
   As afirmações a priori apoiam-se nas convenções matemáticas ou resultam de disjunções que se excluem mutuamente. Por seu lado nas afirmações a posteriori a sua verdade ou falsidade não pode ser aferida sem nos basearmos em experiências anteriores, em indícios ou em testemunhos próprios ou alheios.
   As nossas crenças podem ser verdadeiras ou falsas; justificadas ou injustificadas. Uma determinada crença pode ser justificada mas não ser verdadeira. Estas ou resultam da observação ou radicam em autoridades cientificas, em livros, boatos, na Internet ou em qualquer outra fonte.
   Existe o debate clássico e antigo sobre em que radicam as nossas crenças e se o pensamento cientifico obedece a um método dedutivo ou indutivo. A dedução não acrescenta nada ao nosso conhecimento. A indução por enumeração, pelo contrário, sustenta as nossas crenças nos fenómenos gerais em virtude da experiência de fenómenos particulares anteriores. Na inferência para uma melhor explicação procura-se a melhor teoria que explica todas as pistas disponíveis. A dúvida reside na avaliação dos poderes explicativos das hipóteses consideradas.
   O método de Francis Bacon constante na sua obra «Novum Organum» visa contestar a obra centenária de Aristóteles e parte da experiência sensível, passa para os axiomas inferiores e destes para os superiores cada vez mais gerais. Dos axiomas superiores obtêm-se as leis da natureza e opera-se a observação de outros fenómenos.
   A revolução copernicana representou uma mudança importante na conceção e no paradigma como se entende a ciência. A autoridade dos filósofos do passado é contestada. Sobrevaloriza-se a matemática encarada como a linguagem da natureza e emergem novos enquadramentos explicativos. As experiências anteriores embora existissem não possuíam o modo nem a centralidade de uma nova metodologia. Apenas a obra publicada em 1687 conferiu uma nova legitimação à experiência na prática cientifica. Ficou assente que a ciência exige uma dimensão colaborativa e a aprovação de uma comunidade de praticantes.
   As experiências mentais são aquelas que são realizadas na cabeça do experimentador. Este tira conclusões com base em experiências que radicam a sua concretização na impossibilidade física ou tecnológica de se efetivarem na prática. A importância e a fiabilidade de tais experiências são controvertidas. Se alguns autores pugnam pela sua autoridade e valia outros têm opinião contrária.
   Thomas Kuhn e Tamar Szabo defendem que as experiências mentais podem induzir reformas concetuais e levar à substituição duma teoria por outra. Outros defendem que estas experiências se situam no domínio dos argumentos a priori mas não possuem valor próprio. Isso sustentam por exemplo Norton e Atkinson. Outros ainda alegam que as experiências mentais nos trazem conhecimento novo e alargam o conhecimento a priori (Brown e Bishop). Este último acrescenta que os cientistas podem chegar a conclusões diferentes mesmo se debruçando sobre a mesma experiência mental.