terça-feira, 7 de janeiro de 2014

FILHOS DA COSTA DO SOL

   A década de setenta do século XX foi um período fantástico a todos os níveis. O tempo em que se fez o 25 de abril. A esperança no futuro. A liberdade sexual. As festas e os convívios. O fulgor de uma juventude que acorda para a beleza do mundo adulto. A praia. O álcool e os excessos. As férias de verão. A nudez dos corpos. O conflito de gerações. A concretização da paz e amor.
   Esta é uma estória sobre essa época.
   Chico e os seus amigos vivem aqueles dias fantásticos que foram o tempo de todas as ilusões. A escola não lhe interessa. as aulas são sensaboronas e prefere o convívio com os colegas e as longas jornadas de engate. Naquele verão pulula pelos hotéis do Estoril juntamente com o Manuel, o bem sucedido Luís e outros. Conhecem umas inglesas com quem vivem uma tórrida noitada. A praia está sempre omnipresente seja com quantas estrangeiras fôr. Os charros acompanham-nos e vão transformando estas personagens em trágicos farrapos humanos. Ei-los a caminho de Torremolinos mas fazem um desvio e passeiam-se pelo algarve. O entardecer na praia inebria as suas mentes.
   O ano na escola perdera-se e as férias já lá vão. Contam-se as aventuras passadas recheadas dos mais intensos pormenores. O pai do Chico partira para África mas o seu irmão regressa de Moçambique e há festa lá em casa. Estão a tia Rita, o tio João, a Sofia, namorada do Pedro e a empregada Beatriz.
   O velho desagradado com o chumbo por faltas do filho dá-lhe a escolher entre ir trabalhar ou sair de casa e Chico arranja um emprego como rececionista de um hotel.. A sua nova ocupação começa com umas trapalhadas mas enfim consegue adaptar-se. O vinte e cinco de abril vem apanha-lo em pleno trabalho.
   Discute-se politica. Fazem-se plenários de trabalhadores. Apresentam-se reivindicações. O Chico sente-se superior por ter um trabalho e poder dispor de dinheiro e fazer o que lhe apetece.
  O país fervilha de agitação. É a época das manifestações, comícios, protestos e músculos. No hotel Brasil os trabalhadores reúnem-se com os patrões e fazem as suas exigências. Conseguem tudo mas o Chico, farto daquele ambiente de tédio, demite-se do seu trabalho. Passa a viver do seu pecúlio entretanto ganho com tanto sacrifício e a frequentar as boîtes e os comes-e-bebes da moda. Com o Manel e o Luís ruma à bonita Cascais e entra no Adam's para de divertir e tentar mais uns engates. Lá encontra a tia Rita lambuzada num homem o que muito o desilude. A sua tia rumará ao Brasil de onde lhe escreve umas cartas um tanto côr de rosa.
   Os três amigos acabam por se separar. O pai do Luís aceita um trabalho num banco em São Paulo e o filho lá cursará direito. O Manel entra no serviço cívico e também cursará direito. O Hotel Brighton é nacionalizado.
   1976. O 2000 está ao rubro. Há miúdas giras por todo o lado. A Marta, uma antiga colega do liceu, tenta aproximar-se do Chico. Tinha enveredado por uma vida de vício e encontrava-se mergulhada nas drogas pesadas. Chico andara a viajar pela Europa e regressara com uma mente muito arejada. A vida era difícil, havia desemprego, carestia de tudo mas era a época dos grandes ideais. Algumas mulheres não tinham aguentado o declínio dos maridos e para elas o divórcio foi a última opção. O pai do Chico encontra-se desempregado também mas a esposa apoia-o. Acaba por arranjar um trabalho na África do Sul para onde se muda de seguida. É lá que o seu irmão Duarte vai estudar engenharia.
   Chico tem um caso com Ritinha mas quando a Marta lhe telefona, e embora inicialmente contrariado, acede a encontrar-se com ela numa esplanada onde lancham e é com ela que vai viver um tórrido romance. Passeiam pelo paredão e amam-se no Guincho até de madrugada envoltos em cobertores. Chico tenta libertar a Marta das drogas mas trata-se de uma tarefa difícil. Um belo dia tem com Manel uma conversa filosófica onde discorre sobre os valores tradicionais que lhe são tão caros, a luta de classes, as mulheres do proletariado, o socialismo à soviética ou à chinesa e a utopia da transformação da sociedade. Pedro convida-o para almoçar com ele e informa-o que aderiu ao PPD.
   Chico e Marta vão para a quinta do avô desta na zona de Arouca passar alguns dias. Chegam a lá estar mais de duas semanas em contacto com a natureza encantada e rebelde do norte. Amam-se em pleno. Ele sente que a namorada não se consegue libertar das drogas e, desesperado, interpela-a mas Marta dá uma desculpa esfarrapada tentando justificar a existência de medicamentos guardados numa gaveta do quarto. Mas este episódio não estraga o desfrute da paz e tranquilidade da propriedade do velho.
   Para poderem ficar juntos urgia que ele arranjasse trabalho. A Marta queria cursar Belas-Artes. A sua primeira tentativa será ser vendedor de livros mas não gosta. O seu colega é um fanfarrão e as pessoas fúteis só se interessam pelas capas pouco importando o que lá vem escrito. Passa uns dias fabulosos em casa com a Marta em esplêndidos repastos. A namorada conta que tentou inscrever-se na faculdade. Vai a Lisboa falar com um tal Mueller e fica como empregado numa firma que negoceia e fabrica tintas. De início sente esperanças mas depressa sobrevem a desilusão. Acaba por se demitir do emprego. Luís escreve-lhe do Brasil a convida-lo para uma viagem pelos Andes. Mas o pior é contar à Marta que deixou o trabalho e a vai abandonar temporariamente para fazer a tal viagem. Ela fica em lágrimas. Com um pressentimento ruim procura-a no 2000 perto do Leonel e intuitivamente segue até ao Guincho. Lá está a Marta desfalecida na areia rodeada de barbitúricos. A namorada não aguentou a desilusão e o desvanecer de todos os seus sonhos. Marta morta. Marta no abismo.