domingo, 22 de dezembro de 2013

A CIDADE DE ULISSES

   Um périplo por Lisboa, a cidade secular, segundo a tradição fundada por Ulisses e à volta da qual giram um grande manancial de estórias. Aventureiros, navegadores, viajantes, pessoas ao serviço de reis e outros poderosos pertencem ao imaginário desta vetusta urbe tão maravilhosa, abastada e cheia de encantos. A propósito de um duo ou trio amoroso e de uma exposição em 2008 sobre a cidade vamos navegando ao sabor de locais e recantos cheios de fantasia. Eis-nos de volta às calçadas e edifícios sobre os quais pouco conhecemos.
   Andamos por Lisboa, a cidade aberta ao mundo onde confluíram povos e civilizações celebrada em verso e de origens nobres e ancestrais. o tempo em que o mundo era português e se desvaneceu. As ruelas, as aventuras e a ousadia dos seus habitantes. O prazer que dava calcorrear aquelas calçadas e a descoberta de todos aqueles lugarejos.
  Nos idos anos oitenta Paulo descobrira a sua Cecília nos bancos da faculdade quando ela era sua aluna. A mulher que o seduzira   e pela qual ele daria a sua vida. Criatura de forte personalidade, de hábitos requintados e com a qual passou a partilhar muitos dos seus dias. Os pais do professor, um oficial do exército e uma apagada senhora, foram grandes influências com os quais viveu dias atribulados mas que o fizeram descobrir a beleza da arte e o desafio da vida. Fora a mãe quem lhe suscitou o interesse que o iria completar para sempre. Aquelas temporadas no sótão foram uma lição de resistência. Com o pai castrador teve uma relação que não lhe anulou o amor, o futuro e os projetos. O oficial e o filho viviam mutuamente desiludidos. É com a namorada que vai viver um período de intensa felicidade. 
   Com a amada, Paulo Vaz desfruta intensamente da cidade de Lisboa. Percorre caminhos, frequenta teatros e cinemas, vê exposições, vai a bares e vive enfim um edílico romance.
   Vão morar para um atelier que ele compra e no qual produz os mais belos e magníficos trabalhos sob o olhar atento de Cecília. Trabalham e namoram e o sonho prolonga-se por quatro anos. Junta-se um gato ao espaço que ele terá a contragosto de aceitar e a vida com a namorada vai fluindo normalmente.   Até que um dia ela anuncia que está grávida. Paulo rejeita a possibilidade de nascer um filho e agride a namorada causando-lhe enormes ferimentos e fazendo-a perder a criança. De jovem agredido e maltratado pelo pai Paulo passa a agressor. Arrepende-se mas já é tarde.
   Cecília desaparece da sua vida. Em vão a procura. Entretanto viaja por Itália, Estados Unidos, onde expõe, e Japão. Está em Berlim em 1989 quando o muro é derrubado. No universo feminino convive com mulheres como Allison e Benedetta mas elas não o preenchem. Junta-se a Sara, juíza e de forte personalidade.
    Mais tarde como que por acaso encontra Cecília já casada e mãe de duas meninas. Combinam um melhor encontro mas este nunca se realiza. Um dia toma conhecimento através dos jornais da morte do seu grande amor num acidente de viação.
   A exposição que se vai concretizar deve ser sobretudo de Cecília. Fala com o viúvo Gonçalo Marques a comunicar-lhe a sua ideia e ele fica radiante. A exposição tem lugar e é magnífica.
   Sara vai para o nordeste brasileiro descansar e Paulo cruza o atlântico para os braços da segurança e do amor. A sua derradeira vitória. 

sábado, 30 de novembro de 2013

INTRODUÇÃO ÀS LIÇÕES SOBRE HISTÓRIA DA FILOSOFIA

   A uns as lições de Hegel parecem abstrusas e complicadas, a outros porém de uma pureza e clareza cristalinas. Mas Hegel nunca escreveu verdadeiramente umas lições. Esta obra resulta, isso sim, de apontamentos dispersos de alunos seus, contributos vários e composições editoriais. Nela é analisado o devir e a expressão dele do espirito absoluto no que à história da filosofia diz respeito.
   O autor começa por lamentar que as pessoas se dediquem a coisas mundanas em detrimento dos assuntos do espírito mas tem esperança que estas dificuldades que enfrenta a filosofia se desvaneçam com o tempo. E o seu tempo é o das revoluções, do iluminismo, da razão, da revolução que a França fez e a Alemanha pensou. Refere que a história da filosofia deve narrar os factos mas não  se deve ater a tal desiderato sob pena de se encerrar numa reflexão pobre e gasta. Sobre a filosofia há as mais diversas perspetivas  e não nos devemos circunscrever a uma historização acrítica do pensamento filosófico e sim estabelecer uma conexão dos seus diversos estádios e mundividências várias. Urge determinar o âmbito da filosofia e da sua história. 
   A filosofia é o resultado do trabalho das gerações precedentes. Trata-se da herança imemorial que é o que traduz a racionalidade. Essa tradição constitui tudo o que o mundo espiritual produziu e vai sendo simultaneamente enriquecido e conservado. O espirito do mundo exprime-se através do pensamento sendo certo que aquele que se ocupa de si mesmo é o mais nobre. A sua verdade é intemporal.
   Mas a autonomização da história da filosofia encerra dificuldades desde logo porque em tudo aquela se distingue desta. Na verdade enquanto a história versa o transformável e o contingente a filosofia capta o universal. 


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

NOME DE GUERRA

   O tio do Antunes apostara que o havia de fazer um homem. Leva-o ao clube onde se convive, se conhecem pessoas e interage com mulheres das mais variadas famas. É assim que a Judite entra na sua vida.  Manipuladora, sagaz e vivida esta mulher vai transforma-lo, mostrar-lhe as agruras da vida e leva-lo ao autoconhecimento.
   A Maria havia ficado para trás com os seus pais que haviam idealizado um enlace, aquelas coisas que a sociedade tanto gosta. Mas a mulher total é omnipresente e prende-lhe os sentidos. Nua na cama, fêmea no quarto vai perdendo o encantamento até se despedir apesar do drama de decidir deixar aquela que o iniciou na arte da vida.
   Encontrando-a elevada rende-se à vontade dos astros que tudo ordenam, que tudo determinam e para os quais a vontade dos homens não passa dum fogacho. 



sábado, 31 de agosto de 2013

CONVERSAS COM ANTÓNIO LOBO ANTUNES

   O valor da amizade. Os editores como alguns desses amigos Ernesto Melo Antunes e José Cardoso Pires. A experiência traumática da guerra em Angola. A casa em Benfica. O sonho de ser escritor que se concretizou. A solidão do artista. O vício de escrever.
   A maravilha que é a literatura espanhola. A incapacidade de ser poeta. O enorme interesse pela poesia. Em Portugal não há bons romancistas. Os escritores favoritos. Périplo pela literatura universal.
   Um puritano. As relações com as mulheres, esse ser de uma grande complexidade.
   O partido comunista, partido fechado e que progressivamente se foi alheando da evolução intelectual do país.
   Uma obra passada a pente fino. A glória do sucesso. As correções sucessivas até á perfeição. Viver é escrever sem corrigir. A beleza da palavra na boca de um homem que, como artista, já se tornou um mito. 

quarta-feira, 31 de julho de 2013

MENINA JÚLIA

   No prólogo o autor faz umas pertinentes considerações sobre a emergência do teatro e a arte de montar uma ilusão. Refere técnicas, modos e singularidades.
   A peça em si é muito breve. Incorpora três personagens: dois criados e uma fidalga filha de um aristocrata condal. A tresloucada moça herdou um temperamento difícil rejeitando como abstrusas as diferenças entre macho e fêmea no que à relevância social dizem respeito. Gera-se um curioso diálogo com um criado, prometido a outra serviçal da casa. Entre copos e conversa a menina Júlia perde-se de amores por João (assim se chama o criado) que a insta a fugir com ele na esperança de uma vida nova, novas aventuras e liberdade para os dois. Cristina percebe a tramoia e torna-se um elemento incómodo nos planos que gizaram e não concebiam lugar para ela.
   Sobressaem considerações sociais, reflexões sobre a humanidade de cada um e a convicção de serem de condição dissemelhante mas de fortuna e destino idênticos. Prova-se que a sensatez não escolhe classes, estatuto ou riquezas. A obra lança interrogações, abre-se às interpretações do público e tem a capacidade de perturbar a sociedade nos seus vícios, dissimulações e fantasias.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

CÍCERO

   Cícero veio ao mundo em 106 a.c. num tempo muito conturbado como conturbada foi a sua vida. Nascido em Arpino no seio de uma família com pergaminhos, irmão de Quinto, filho de Marco, sobrinho de Lucio e neto de Marco Cícero. foi um eminente orador, politico e advogado. Pertencia à tribo dos volscos e parece que a família possuía também uma casa em Roma. Recebeu uma educação esmerada tendo como preceptores os mais reputados pedagogos da época. Apreciava a literatura em especial a poesia e a filosofia. Tinha como ideal o status literário dos gregos que admirava e privou com figuras como Quinto Múcio Cévola, Crasso, Julio César e Marco Emilio Escauro entre outros. As clientelas eram o modo que os cíceros abraçaram, como era usual na altura, para obter favores, conseguir melhor instrução, ascender socialmente e conviver com as figuras mais eruditas.
   As influências estrangeiras em Roma eram notórias já que os romanos possuíam uma escassa literatura e uma intelectualidade muito limitada. O império romano era extenso e estava sujeito a permanentes rebeliões vivendo as suas elites num sobressalto constante. Cícero foi contemporâneo das tentativas de conceder a cidadania a importantes regiões da península itálica e das guerras que se lhe seguiram. Assistiu igualmente à revolta do rei do Ponto que, aproveitando a fragilidade momentânea dos romanos liderou uma revolta enfim travada em condições muito humilhantes surgindo tribunos como Sulpício, figuras como Ático e magistrados como Mário e Sula.
   O livro contem detalhes muito interessantes sobre o aspeto de Roma, as suas ruas, a anarquia urbana, as insulae e o fórum. A cidade não tem polícia nem funcionalismo publico. Para se protegerem os magistrados arregimentam autênticos exércitos pessoais. O assassinato politico está institucionalizado. Quase todos os magistrados têm um fim trágico. O fórum era o centro da vida administrativa de Roma e incluía tribunais, templos e um mercado onde se vendiam todos os trastes.
   O caso que lançou Cícero como advogado foi o alegado parricídio de Róscio. Saiu-se muito bem embora outros o tivessem recusado pela intriga ter ligação a Sula e aos seus apoiantes. Chovem os processos na secretária de Cícero.
   Por volta de 79 a.c. casa com Terência, mulher de família rica, assertiva e nada submissa. Pouco tempo depois nasce a sua filha, Túlia. Cícero parte em viagem pelo mediterrâneo oriental. Durante essa viagem contacta com os mestres gregos, estuda filosofia e aperfeiçoa os seus dotes de retórica.
   Em 75 a.c. candidata-se ao questorado e ganha. Colocam-no na Sicília mas Terência fica em Roma. A função dos questores era a de assistir aos cônsules, supervisionar a coleta, calcular os preços e autorizar os pagamentos. A vida pacata da república só é perturbada por dois acontecimentos que são resolvidos por ex-protegidos de Sula, Pompeu e Crasso: a sublevação em Espanha e a revolta de Espártaco.
   Tem várias vitórias nos tribunais entre elas o processo contra Verres a quem acusa de extorsão. Ganha grande fama com esse difícil triunfo. Em 69 a.c. é edil e com o seu desempenho cai nas boas graças da população urbana da cidade. Um ano mais tarde inicia a sua correspondência com Ático. Seu irmão quinto casa com Pompónia mas dá-se mal com ela. Morre Lúcio. Sua filha Túlia fica noiva de Gaio Calpúrnio Píson Frúgi e casa-se pouco depois. Cícero investe no imobiliário comprando várias villae. Torna-se pretor em 66 a.c. mas continua a advogar. Ao defender a nomeação de Pompeu para comandar o exército na Ásia granjeia apoios vários para a ascensão ao consulado.
   Na candidatura ao consulado, dos opositores de Cícero, só dois são efetivamente perigosos a saber, Gaio António (pouco dado aos combates políticos) e o corrupto, debochado e pouco recomendável Lúcio Sérgio Catilina. Cícero venceu facilmente com António mas Catilina nunca aceitou a derrota. Doravante tentará conspirar contra o senado e a república movido pelo ressentimento. A primeira conspiração teria sido instigada por Crasso e César. Mesmo estes depressa se aperceberam que o conjurado tinha pouco tato politico e sobretudo pouco juízo. Catilina sempre se mete em confusões; Cícero tentou defende-lo de uma acusação mas ele acaba por ser absolvido por outros meios.
   A situação económica era grave: desemprego, dívida elevada e carestia de vida. Cícero faz um pacto com António oferecendo-lhe o governo da macedónia que se seguiria ao consulado em troca do apoio do colega. O que se seguiu foi que Cícero praticamente governou sozinho. Os popularis propõem uma lei de reforma agrária mas Cícero discorda causando perplexidade nos seus apoiantes.   
   Mas as dificuldades e as provas do seu mandato não se ficam por aqui. O tribuno Tito Labieno acusou um velho senador de alta traição devido a um assassinato ocorrido mais de trinta anos antes. Além do mais César candidata-se a sumo pontífice e ganha. E é publicada uma lei contra o suborno eleitoral.
   Catilina prossegue nas suas maquinações, é vigiado por Cícero e denunciado por uma mulher sabedora de todas as manobras dos conspiradores, a desbocada Fúlvia. Depois de ter sido derrotado uma segunda vez para o consulado enche-se de ódio contra o estado e deseja vingar-se. Para mostrar alguma boa vontade pede para ser colocado sob prisão mas ao invés fica confinado à casa do pretor Cecílio Metelo Celer. O senado reúne-se na sua presença e é banido saindo de Roma. É declarado inimigo público. Lá longe tenta arregimentar um exército enquanto na cidade os seus seguidores envolvem a tribo dos alóbrogos na conspiração mas são descobertos. O senado volta a reunir, desta vez na posse de provas. Lêntulo, um dos conjurados, renuncia ao pretorado. O debate é aceso e Catão e César discursam. Cícero indaga os senadores sobre a admissibilidade da pena de morte. Depois de várias peripécias os conjurados são executados. Catilina é morto numa escaramuça às portas de Roma.
   Há o perigo sobre o que fará Pompeu quando regressar vitorioso a Roma, como aproveitará o seu triunfo e o prestígio entretanto adquirido. O herói seguira os acontecimentos à distância, soubera qual tinha sido o fim de Catilina e encarregara Metelo de o fazer nomear comandante do exército.
   Cícero devia prestar contas findo o seu mandato mas cortam-lhe a palavra dizendo que quem executou sumariamente cidadãos sem julgamento não tem direito a falar no senado. Entretanto Metelo falha o seu intento e Cícero escreve-lhe uma gabarola missiva. A jactância de Cícero irrita Pompeu. É então que o célebre orador decide comprar uma casa no monte Palatino com dinheiro de um empréstimo que pedira a António. Embora possuísse várias villae não cessava de aumentar a sua riqueza. Entretanto mantem a sua atividade de advogado.
   Clódio era um partidário de Catilina e tinha fama de ser um revoltado e com muito maus princípios. Amava Pompeia, esposa de César e chegou a introduzir-se em casa deste disfarçado de mulher só para falar com ela. A juventude romana era libertina mas Cícero sentia-se bem entre ela e colaborava na formação de muitos jovens. Clódio chegou a ser acusado mas foi julgado e absolvido. Entre ele e Cícero superabundavam os chistes e as provocações.
   Por aquelas alturas Pompeu regressa em triunfo. Para se aproximar dos optimates divorcia-se e pede a mão da sobrinha de Catão mas é rejeitado. Os equites fazem umas petições no sentido de lhes ser reoutorgada a imunidade quando eram jurados e pedindo que se revissem os contratos de cobrança de impostos que eram demasiado onerosos para eles. Em 60 a.c. o tribuno Lúcio Flávio propõe uma lei visando distribuir terras aos soldados de Pompeu.
   César ganhava umas guerritas na Espanha contra umas tribos rebeldes Arquiteta um plano contando com a colaboração de várias figuras da república. Assim alia-se a Pompeu e Crasso mas não consegue convencer Cícero. O acordo era que nenhum dos três faria nada de que os outros discordassem. César propõe uma distribuição de terras e para selar o acordo Pompeu casa com Júlia, filha de César. Depois de deixar o consulado este pretende a administração da Gália Italiana e da Ilíria por cinco anos.
   Clódio faz-se adotar por um popularis e torna-se tribuno com a intenção de perseguir Cícero. Os seus projetos estendem-se do campo legislativo aos direitos cívicos. Apresenta um projeto de lei para criminalizar quem tivesse executado um cidadão sem julgamento visando atingir Cícero. Iniciam-se tumultos apoiados por si e pela suas hordas de desordeiros. Embora ainda conserve muitos amigos Cícero sente a sua vida em perigo e ausenta-se de Roma.
   Cícero, que se fixara em Tessalónica, inicia uma campanha ajudado pelos seus amigos, e sobretudo por Ático, para se reabilitar. Para isso escreve várias cartas entre as quais a Pompeu. A situação em Roma era explosiva. Clódio continua a provocar desacatos. Várias leis para reabilitar Cícero são rejeitadas mas finalmente uma delas consegue ser votada na assembleia militar reunida no campo de Marte. Cícero entra triunfalmente em Roma. Clódio espalha que a falta de cereais que se faz sentir na cidade é culpa sua e fica decidido criar uma comissão para resolver o problema. Querem indemnizar Cícero e reconstruir as suas casas que haviam destruído mas os de Clódio apedrejam os trabalhadores que trabalham nas obras e instiga motins.
   Há o projeto de restituir o trono despojado ao faraó do Egito mas não se conseguem pôr de acordo sobre quem chefiará o exército libertador. Pompeu? Cícero deve favores a Lêntulo e a Pompeu. Milo é levado por Clódio a tribunal e acusado de homicídio. Por causa disso há tumultos no fórum. Cícero defende Marco Célio Rufo de uma acusação de homicídio alegada pela irmã de Clódio. Defende também Séstio. O triunvirato permanece em dificuldade. Cícero propõe o respeito pela autoridade e pela dignidade do senado.
   Propõe a revogação da legislação agrária de César. Pompeu diz que vai à Sardenha comprar cereais mas desagradado fala primeiro com César. O jogo de Cícero é perigoso. César pretende renovar a aliança com os seus comparsas. Com ela os três têm a ganhar. O acordo faz-se. Pompeu adverte Quinto acerca da conduta de Cícero. César quer a prorrogação dos seu cargo de governador por mais cinco anos. Cícero defende-o a contragosto. Cícero está em dívida com Pompeu e César por terem apoiado o seu regresso e por isso aceita humilhado estar sob as suas ordens. Defende partidários de César e ganha. Assim retira-se da vida publica e junta-se aos amigos. Aproveita para reconstruir as suas casas e melhorar a sua biblioteca. Encomenda a um erudito a crónica do seu consulado mas a obra não chegou a fazer-se. Clódio continua a organizar tumultos.
   Cícero aproxima-se de César e Quinto é nomeado seu lugar-tenente na Gália. Aqueles têm interesses literários comuns e partilham entre si numerosos escritos. Cícero fica em Roma a tratar dos negócios do irmão. Crasso faz guerra aos partos mas á derrotado e perde a vida. Restam agora Pompeu e César no triunvirato. Clódio é morto numa emboscada contra Milo, seu opositor nas ruas. A populaça exige vingança. Milo é defendido por Cícero em tribunal e Pompeu restabelece a ordem. Cícero continua a apoiar a instrução e a carreira dos jovens e é secundado nas suas tarefas pelo seu escravo Tiro.
   Agora que estava afastado do fórum, Cícero tenta intervir na vida politica através da escrita. Escreve «A República» e «As Leis», escritos em forma dialogar à boa maneira grega.
   As relações entre César e Pompeu experimentam alguns sobressaltos. Este tende a afastar-se daquele e a aproximar-se do senado. Pompeu casa com Cornélia , filha do optimate Quinto Cecílio Metelo Pio Cipião Nasica. Há sérias desavenças entre Quinto e Pompónia. Túlia está divorciada do segundo marido. Cícero teme enfrentar César pois deve-lhe favores e ainda não lhe restituiu o dinheiro que este lhe emprestara. Aceita a contragosto o cargo de governador da Cilícia desde que seja só por um ano mas pede a Célio que o mantenha informado sobre o que se passa em Roma. Lá fez guerra aos partos e a outros inimigos e saiu-se bem tendo governado a província com justiça. Durante o seu governo é confrontado com uma burla usurária de Bruto. Quinto pensa divorciar-se de Pompónia mas, apaziguados pelo filho, o divórcio não chega a ocorrer. Túlia casa com o mulherengo Públio Cornélio Lêntulo Dolabela.
   A vontade do senado de acusar César pondo assim um fim prematuro à sua carreira politica gerara desconfianças impossíveis de sanar. Agora convertido em inimigo tenta desembaraçar-se de Pompeu. Este ultimo, que vivia atormentado por problemas digestivos, é confrontado com a oposição do general. Cícero tenta patrocinar um acordo e César vê chegado o momento de agir. Pompeu e muitos magistrados abandonam Roma. Cícero quer manter-se neutro. Quer sair do país mas teme pela sua família. Pensa retirar-se para a Grécia. César, usando de total magnanimidade, exerce clemência em Corfínio deixando escapar magistrados e senadores que aí se encontram. Pretende atrair para a sua causa apoiantes de gabarito como Cícero e, caso não consiga, recorrerá à via revolucionária. Ao chegar a Roma o brilhante militar confisca o tesouro público guardado no monte Saturno o que o torna muito impopular aos olhos da plebe. Quinto fala com César comunicando-lhe o descontentamento do tio e a sua vontade de sair do país. A paciência de César tem limites. O nobre politico junta-se na Grécia a Pompeu cuja frota domina os mares. Catão critica a decisão  de Cícero. Entretanto César vence os seus adversários em Espanha e é eleito para um segundo consulado. Célio, pretor em 48 a.c. é destituído e revolta-se contra César mas é morto juntamente com Milo. César persegue Pompeu na Grécia e faz proposta de paz. A batalha ocorre e ele vence. Pompeu foge. Os seus amigos tentam reunir em África as suas tropas. Quinto zanga-se com Cícero pois aquele apostou tudo na causa do irmão e correu mal.
   Pompeu refugia-se no Egito onde tem uma enorme clientela. Mas o rei mata-o e entrega a sua cabeça a César. Dolabela faz uns desvarios em Roma. Contra a politica do governo faz campanha pelo cancelamento das dividas. César ausenta-se no Egito. Acede ao pedido de Cleópatra para a ajudar a conquistar o reino contra o seu irmão, o faraó. Farnaces do Ponto revolta-se contra Roma. Nasce Cesarião, filho de César e Cleópatra. César derrota Farnaces. Cícero começa a ter desavenças com Terência e acaba por divorciar-se dela acusando-a de prodigalidade entre outras coisas. Mas ela não perde tempo e casa com o historiador Gaio Salústio Crispo. Em Roma António põe termo à campanha insurreta de Dolabela mas César derrota-o e mantem a confiança em Dolabela. Por sua vez os veteranos que esperam a mobilização contra Catão exigem os pagamentos. A luta de César e Catão acontece. Catão não consegue aguentar a pressão e suicida-se mas torna-se um mito. Cícero trava amizade com o estudioso Marco Terêncio Varrão. Cícero dedica-se a ensinar oratória. César regressa em 46 a.c. e organiza quatro triunfos. O senado estende o período da ditadura de César por dez anos. O ditador concede a cidadania aos povos derrotados e nomeia senadores das províncias e comunidades italianas. Este órgão passa a ter uma composição peculiar. Nas reformas que empreendeu César tentou não ser sectário. É dele a reforma do calendário, o ano passa a ter 365 dias. Cícero mantem o sentido de humor e intercede pelos optimates vencidos. O famoso orador publica um livro sobre Catão e César fica furioso. Este escreve o «anti-Catão». Os dois filhos de Pompeu, Gneu e Sexto, dirigem-se para a Espanha mantendo a rebelião. Os filhos de Cícero querem juntar-se-lhes. Em vão. Cícero casa com Publília, uma jovem adolescente. Teve uma mulher mais velha com a qual teve longa amizade, Cerúlia. A sua filha Tulia, a favorita, morre e ele fica destroçado. Escreve uma «autoconsolação». Divorcia-se de Publília por causa da morte de Tulia. Cultiva a longa amizade com Ático. César vence Gneu, filho de Pompeu em Espanha. A guerra civil termina. Quinto mete-se em escândalos e desentende-se com a mãe. Cícero soube ultrapassar todos estes dissabores e no final da vida já está mais tranquilo.
   Afastando-se, ou tendo sido afastado da vida politica, Cícero vai dedicar-se agora a escrever. É essa a forma como ele intervém na vida pública e serve os seus concidadãos. Escreve «Bruto», «O orador», «Os paradoxos dos estoicos», «Hortênsio», «Académicas», «Os limites extremos», «Tusculanas», «Da natureza dos deuses» e «Dos ofícios». Algumas destas obras contêm vários volumes e discutem o estoicismo e o epicurismo. O legado de Cícero foi enorme. Os seus escritos ficaram para a posteridade e inspiraram o pensamento posterior tanto romano como cristão. É mesmo considerado como um pagão virtuoso. Mas o latim era uma língua desprovida de terminologia técnica e por isso não captava a profundidade da filosofia. Também aí ele mostrou o seu brilhantismo dotando a língua romana do palanfrório técnico essencial ao debate teórico. Privilegiou a forma dialogar mas nas suas obras está presente uma enorme riqueza tanto estilística como substantiva.
   O que toda a gente esperava que César fizesse agora que venceu era restaurar a constituição e consequentemente a república. Quando se tornou claro que isso não ia acontecer cresceu o número de desagradados e descontentes com o novo status quo. Cedo se forjaram planos no sentido de assassinar o ditador. Trebónio falou a António, um dos generais de César, sondando-o no sentido de indagar se ele estaria disposto a participar numa conspiração com o objetivo de tirar a vida ao tirano. Juntaram-se-lhes imediatamente muitos opositores e optimates desiludidos com a perspetiva de terem César como Rei. Embora perante uma encenação no capitólio ele tenha recusado o diadema, os ilustres políticos não se deixaram enganar e foi no teatro de Pompeu que o vencedor da guerra civil foi assassinado à facada de forma brutal e completamente sanguinária.
   António arroga-se o fiel intérprete da memória de César e começa a mexer os cordelinhos no sentido de lhe ser dada primazia. Mas os principais grupos influentes após a morte do ditador eram o exército e os auxiliares e funcionários públicos por si contratados. Estes últimos eram liderados pelos dedicados Balbo e Ópio. O senado entra em convulsão quando se trata de decidir o próximo passo a dar. Alguns querem punir os libertadores. Os senadores leem o testamento de César no qual ele nomeia como seu herdeiro, leia-se politico, o seu sobrinho adotivo Gaio Júlio César Octaviano.  António sente-se afrontado com a perspetiva de ser relegado para segundo plano. Um erro de avaliação dos aliados da república assumia que com a morte de César a constituição seria restaurada e o regime entraria novamente nos trilhos. Mas não foi isso que aconteceu. Os libertadores sentem-se em perigo e retiram-se para o campo e dá-se o regresso de Octaviano. Ao ser informado da sua poderosa herança este decide abraçar a causa pública e encetar diligências no sentido de ser ele o escolhido para suceder ao seu tio. Inspirando no início pouca confiança Octaviano soube captar a simpatia das principais figuras e sabendo que precisava de apoios tenta seduzir Cícero para a sua causa. No senado começa a dança dos lugares no que toca ao governo das províncias e António tenta manipular a sua atribuição. Dolabela passa-se para o lado do inimigo. No plano pessoal Quinto comete alguns desvarios o que deixa Cícero preocupado. O nobre orador goza de um prestígio ímpar em Roma e todos lhe pedem conselhos. No senado António discursa contra Cícero e este replica contundentemente. Gaio Mácio entra em conflito com Cícero. António e o novo César tentam cada um formar um exército. César reúne-se em Roma com a assembleia geral. Com pouco sucesso. António entra em Roma mas sai empurrado por uma onda de deserções. No senado Cícero defende César contra António.
   Cícero discursa perante o senado e compromete-se com a causa de César que ele julga ser mais sincero e a ascensão mais conveniente. Mas a fação de César era fraca. Havia nela os seus próprios apoiantes, os moderados alinhados com os cônsules Hirtio e Pansa e os apoiantes de António. César é declarado pro-pretor e a lei de reforma agrária de António é invalidada. A assembleia decide enviar uma embaixada a António com um ultimato. Este aproveita o facto de não ter sido declarado proscrito para fazer uma contraproposta liminarmente recusada pelos senadores. Negoceiam-se as chefias provinciais. Cícero arrisca ainda mais no apoio a César e critica António. Cássio luta pelo governo da Síria contra Dolabela que havia assassinado Trebónio, um dos libertadores. O senado quer castiga-lo mas Dolabela suicida-se antes de ser capturado. António é derrotado às portas de Mutina.
   A morte dos cônsules Hirtio e Pansa por ocasião da batalha de Mutina vem baralhar todos os dados. Agora urge saber quais são as reais intenções de César. Desconhece-se se ele agora continuará a obedecer às ordens do senado. Não se sabe se a sua aliança à república foi apenas tática ou se terá sido sincera. Bruto teme os planos de César tanto mais porque consta que ele quer candidatar-se ao consulado. Avisa Cícero que se encontra demasiado envolvido na defesa do jovem. Em vão. Com o tempo adensa-se a possibilidade de César vir a trair a causa republicana. Este não perde tempo e marcha sobre Roma que cai sem resistência. A 19 de agosto César e Quinto Pédio são os novos cônsules. Na impossibilidade de resolver a contenda rapidamente César encontra-se com António e negoceia com aquele uma saída para a situação. O acordo a que chegaram envolvia a criação de uma Comissão Constitucional, à semelhança do primeiro triunvirato, constituída por António, César e Lépido. O seu objetivo era apropriarem-se dos comandos provinciais a fim de reunirem um exército para derrotarem Bruto e Cássio. Enumeram um imenso rol de proscritos nos quais se inclui, a pedido de António que desejava vingar-se, o nome de Cícero. O famoso orador sente pela segunda vez a vida em perigo e foge. É perseguido e traído por cidadãos e escravos e é degolado.
   E pronto. Cícero está morto! Resta dizer que César dividirá com António o mundo antigo e em Ácio vencê-lo-á definitivamente. Ser-lhe-á outorgado o título de Augusto, o primeiro imperador romano. Eis-me chegado ao fim. Pela mão de Cícero passei por todo o século I a.c. e a sua vida confunde-se, e a sua sorte também, com o destino da república romana. O legado do orador, filósofo e politico perdurou até aos nossos dias. O seu testemunho de coerência e coragem é um exemplo a ter em conta e a sua obra é algo que merece ser estudado.


sábado, 29 de junho de 2013

INTELIGÊNCIA: PERSPETIVAS TEÓRICAS

 
  Se há área envolta em nublosas é a da cultura e se existe domínio em que as certezas são muito escassas é o da psicologia. Ninguém sabe muito bem, discute-se, o que é ser culto e também são mais que muitas as incertezas sobre o que é a inteligência. Este livro aborda o problema sobre o que significa ser-se inteligente. E fá-lo desde logo partindo de diferentes perspetivas: uma psicométrica, outra desenvolvimentista e uma terceira abordando a sua dimensão cognitivista.
   Há quem encare a inteligência como um mero potencial, outros falam de uma capacidade de resolução de problemas. Mas o rendimento e a capacidade referida dependem sobejamente de habilidades cognitivas. E há aqueles que encaram a inteligência como um atributo dos neurónios enquanto outros a veem como aprendizagem e atributo do comportamento.
   Numa primeira abordagem encara-se a inteligência como suscetivel de ser medida. Desde logo se gizaram uma bateria de teorias com o intuito de explicar e justificar essa possibilidade. Primeiramente as teorias compósitas encararam-na como uma amálgama de funções mentais necessárias no tocante à aprendizagem, à realização do indivíduo e às tarefas do quotidiano. Binet entende pois a inteligência como uma entidade global ou um quociente unitário de capacidade. Esta conceção torna possível a determinação do quociente intelectual (QI). Por seu turno Wechsler elaborou umas Escalas de Inteligência que ainda hoje são usadas pelos psicólogos.
   A teoria fatorial entende a inteligência como um traço ou aptidão simples ou então vários fatores, traços ou aptidões mentais. O grande problema reside na explicação a dar para a variância nas tarefas e testes. Outras teorias encaram um fator geral (G) para descrever a inteligência  ou no seu contraponto várias aptidões distintas e independentes. Os testes deverão ser testes fortemente saturados em G como o Teste das Matrizes Progressivas de Raven, o Teste D48 ou o Teste de Cattell. Em 1931 Thurstone advoga a existência de um número de aptidões primárias e independentes entre si. Guilford de certa maneira seguiu-o. Vernon hierarquizou-as. Cattell pegou nas mesmas ideias, desenvolveu-as e, mantendo-se fiel a uma hierarquia de fatores, falou em Inteligência Fluida (GF) e Cristalizada (GC). Uma evolução desta teoria é a proposta de Horn e Noll já em 1991. Podemos referir a teoria dos Três Estratos de Carroll como a mais recente. De facto o acordo de Cattel, Horn e Carroll configura a conceção mais sofisticada no que a esta temática diz respeito. Alguns autores chamam a atenção para as problemáticas relativas à MCP, MLP e MT na análise de todas estas questões. Igualmente se deve ter em conta a velocidade Cognitiva geral (Gs) e Velocidade de processamento (Gt) no que toca à determinação da qualidade da inteligência. 


sábado, 15 de junho de 2013

O CHOQUE DAS REVOLUÇÕES ÁRABES


   Eis um périplo por um mundo de convulsões, de agitação e de transformações que marcam o renascimento, ou antes a revolução, numa das mais conturbadas regiões do mundo. Sociedades que exigem respeito e que se se sentem ameaçadas na sua identidade. É da compreensão desses fenómenos que se trata, todos eles distintos entre si mas todos possuindo um inegável elo comum.
   São movimentos expontãneos, a maior parte das vezes inorgânicos, e exprimem a ânsia de liberdade, igualdade, progresso e revolta contra as ditaduras. Mas apenas podem ser analisados se tivermos em conta o papel das fidelidades, aqui muito importante, e as diferentes conceções de obediência e de poder. As chaves para uma compreensão avisada  destes fenómenos efetivos ou latentes são três: a tribo, o exército e a mesquita. É nestes que se encontra a explicação para acontecimentos tão imprevisiveis e temidos.
   Na Argélia é o exército que deve merecer a nossa atenção, essa estrutura complexa e dinâmica herdeira da guerra de libertação, bem estruturada e dividida em exército nacional e exército das fronteiras, realidades autónomas mas pertencentes à mesma entidade orgânica. E depois há sempre o papel dos movimentos islamitas, aqui a FIS, cujas cisões fraticidas provocaram conflitos e instabilidade neste país do norte de áfrica. Visam, como sempre, a islamização da sociedade, têm a França e o ocidente como alvo e recorrem a raptos e outras formas de violência para impor as suas ideias. Mas o exército foi mais forte e, apesar de se revelar imprescindível uma transição democrática, os militares saem vencedores desta contenda.
   O estado da Arábia Saudita, por sua vez, resulta de uma remota aliança entre a dinastia Saud e um líder religioso de nome Al-Wahhab. Fahd não era descendente de Maomé e por isso precisava de alguma legitimação para reinar, ele e a sua familia, sobre uma teocracia de origem tribal. Intitulava-se «servidor dos dois lugares santos» para obnubilar essa falta de legitimidade. Este país forneceu soldados para combater no Afeganistão contra a URSS. E também foi base para os soldados ocidentais na guerra do golfo o que fez surgir entre os sauditas um nada conveniente sentimento anti-americano.
   O caso do Bahrein é complexo. As reservas de petróleo haviam-se esgotado e o país mergulhara numa crise bancária ocasionada pelo colapso financeiro de 2008. O rei é sunita (dinastia Al Khalifa) mas a população é maioritáriamente xiita. Opositores ativos querem a república islãmica e são apoiados pelo Irão. Há sublevações e manifestações e instabilidade mas o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) reprime os agitadores.
   As Comores são um arquipélago que constitui uma federação islãmica. Aqui o que constitui uma pedra no sapato é a ilha de Mayotte, mais abastada que o resto das ilhas, que optou pela ligação à França e que se assume como uma fonte de conflitos. A população é em parte sunita e em parte xiita. E foi um cidadão meio comoriano e meio francês que empossara, substituira e derrubara presidentes através de pronunciamentos e golpes e foi também daqui um dos mais terríveis terroristas em ação na áfrica oriental. Para complicar tudo, o futuro do arquipélago é hoje influenciado pelas mais importantes potências regionais e pelo ocidente o que vem lançar nuvens de incerteza sobre a tranquilidade e estabilidade do país.
   Ao Djibouti até da algum jeito a presença militar estrangeira visto que as compensações financeiras daí decorrentes dão ao país mais de metade do orçamento. Este pequeno enclave tem um presidente pró-ocidental e é habitado por duas etnias, os Affars e os Issas, que partilam os recursos de um estado cuja razão de existir parece ser o conflito do ocidente com o terrorismo islâmico.
   O Egito é o maior dos países árabes e o responsável por grande parte das dores de cabeça do presidente americano. Após o derrube do rei Faruk só houve militares-presidentes. É um país subdesenvolvido e dominado por frequentes crises de instabilidade. Compreendeu depressa as vantagens de fazer a paz com Israel e desde então tem mantido uma coexistência pacífica com o seu vizinho judeu. Mas com a primavera árabe e a queda de Mubarak surgem novas inquietações. Urge negociar com a Irmandade Muçulmana, organização muito prestigiada junto do povo egípcio. Mas esta, embora dominada por uma elite jovem, moderna e progressista também comporta militantes e simpatizantes violentos e radicais. É destes que saem as duas dissidências (Jihad Islãmica e Grupo Islâmico) que sem serem nada contemporizadoras têm bons resultados nas eleições e partilham com outros grupos muitos dos lugares do parlamento egípcio.
   Os Emiratos Árabes Unidos são presididos pelo Xeque Zayed Bin Sultan Al-Nahyan que foi sucedido pelo seu filho Bin Zayed partilhando o seu poder com o vice-presidente, o emir do Dubai. Este emirato chega a 2008 com uma dívida colossal e pede ajuda ao Xeque. Os Emiratos têm boas relações com o ocidente e os outros países muçulmanos. São um estado que alia a tradição e a modernidade e impõe a sua respeitabilidade.
   No Iraque coexistem três grupos étnicos: sunitas, xiitas e curdos. O xiismo é apoiado pelo Irão e constittui-se como sendo a fação designada dos seguidores de Ali, o genro do profeta. Nestes convivem as dissidências dos zayditas, septimamitas e duodécimamitas. Os imans mais importantes e conhecidos no Iraque são Ali Al-Sistani e Moqtada Al Sadr. Os curdos são uma fonte de problemas e repartem-se tanbém pelo Irão e pela Turquia.
   O reino hachemita da Jordânia assume aqui uma grande importância. Nele existe uma importante população palestiniana e verificam-se numerosos conflitos desta com a população jordana. A própria rainha Rãnia é de origem palestiniana embora tenha nascido no Koweit. Existem conflitos entre a população autóctone e a população de refugiados palestinianos ou iraquianos. Os islamitas estão também aqui muito ativos cusando muitas vezes desordens e insurreições. Este país é o centro de coexistência de populações de inúmeras proveniências.
   O Líbano é um país do médio oriente que se carateriza pela sua interconfessionalidade. Para garantir um natural equilíbrio cada autoridade tem uma origem determinada. Os estados vizinhos têem interferido no normal decurso dos acontecimentos. O país do cedro é um natural refugio dos palestinianos na sua imemorial luta contra Israel, uma sua naturalização em massa alteraria o equilíbrio de forças no terreno. O Hezbollah combate contra Israel, seu arqui-inimigo, no sul do Líbano apoiado pelo Irão. Os sunitas são apoiados pela Arábia saudita e pelo ocidente. Já foi inúmeras vezes exigido o desarmamento das ONG militares mas o Hezbollah recusa. Esta organização apoiou as revoluções árabes mas recuou no caso da Síria o que não deixa de ser sintomático.
   A Líbia é dominada pelas tribos nómadas que vieram do baixo Egito. Teve a sua independência em 1951. O rei Idris I é deposto pouco tempo depois, em 1969, e Kadhafi torna-se o líder revolucionário do país. Reforça o papel das tribos e envolve-se no terrorismo. Há que manter o equilíbrio entre as tribos Kadhadfa, Warfallah e Megariha bem como com a tribo rebelde dos Al-Zintan. Os Tuaregues também desempenham o seu papel. A Líbia é uma federação de tribos cada uma com as suas fidelidades. É impossível criar partidos politicos. Quando Kadhafi escreveu o «livro Verde» os islamitas passaram à clandestinidade e juntaram-se à Al-Qaeda. O presidente acabará por aliar-se ao ocidente mas por pouco tempo. Os islamitas fornecem soldados para combater no Afeganistão e cria-se a AQMI, braço magrebino da Al-Qaeda. O GICL acabará por juntar-se à AQMI. Kadhafi promete perdão e o GICL renuncia à violência. O líder libio afirma que a Al-Qaeda quer criar um regime taliban na Libia e os islamitas juram derruba-lo o que acabam por conseguir após uma guerra violenta no termo da qual Kadhafi é assassinado.
   Marrocos é uma monarquia de direito divino cujo rei, descendente de maomé, convive com uma maioria islamita. O primeiro sultão de marrocos data de 1664. O poder dos reis de Marrocos tem por base o Makhzen, conjunto de instituições regalengas de polícia, de guerra, de proteção, administrativos e de intervenção. Este corpo vem sendo equipado pelo ocidente e recebe dos cidadãos nomes pejorativos. Os islamitas têm três fações: populares, politicos e jihadistas. O Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD) é de um islamismo suave mas tanbém há grupos radicais. Os salafitas preconizam o regresso à religião dos antepassados. Destes os mais rigorosos são de tipo wahhabita. E alguns são jihadistas pois defendem a violência e levam a cabo atentados suicidas. O PJD acaba por ganhar as eleições realizadas no quadro duma nova constituição.
   Na Mauritânia existe um conflito com a Frente Polisário, apoiada pela Argélia que já levou à deposição de um chefe de estado. Superabundam golpes e contragolpes tendo o de 2005 levado ao reforço do caráter islâmico do estado. Desde os anos 70 coexistem três correntes distintas: uma, influenciada pela Irmandade Muçulmana egípcia; uma segunda, inspirada pelo movimento dos pregadores e, finalmente outra, dos salafitas mauritanos. Todos estes grupos são ultrapassados pelos desejos dos jihadistas. Mas o exército continua a ser uma barreira intransponível que anula os intuitos mais radicais. Em 2011 a juventude mauritana exigiu melhores condições de vida.
   Oman é o único sultanato do mundo. É chefiado pelo sultão Qabous que derrubou o seu pai num golpe palaciano sem derramamento de sangue. Tem sido um sultão progressista que governa um país onde 75% da população segue a doutrina ibadita, essa originalidade do islamismo kharijita. Aqui as mulheres são respeitadas e até de certa forma promovidas e as formas de participação do povo são mais que muitas.
   Na palestina vive-se o drama do conflito com o estado hebraico. mas os palestinianos estão divididos entre o Hamas, radical e que recorre frequentemente à violência, e a fatah, mais tolerante e que ficou conhecida como o partido do ex-presidente Arafat. A faixa de gaza ficou controlada pelo Hamas mas perante as investidas israelitas começaram a surgir dissidências no seio do partido guerrilheiro sendo agora o principal problema no terreno de reconciliar o povo da Palestina.
   O Qatar é um estado pouco populoso sendo de 80% a percentagem da população estrangeira. É a sede da estação de televisão Al Jazeera que emite em árabe e em inglês para todo o mundo e teve um papel determinante na resolução de conflitos inter-árabes. Será o palco do campeonato mundial de futebol de 2022. Está sujeito à chariá e tem como emir o xeque Hamad Bin Khalifa Al-Thani da tribo árabe banu Tamin. A emira è a sua esposa. Entre o povo existem dois tipos de pessoas: as de origem tribal árabe alegadamente privilegiadas e as que o não são sendo que estas se casam entre si. Fora das tribos há duas grandes comunidades religiosas: os Hula (sunitas) e os Bahârna (xiitas). Verificaram-se melhorias nos serviços públicos, na educação e no estatuto das mulheres.
   Na Somália o estado está anulado afogado nas lutas tribais e o país feito em retalhos. Os clãs são numerosos e existem inúmeros sub-clãs. Perante as lutas fratricidas a intervenção estrangeira era importante para defender a unidade do país posta em causa e os direitos humanos, miragem de sempre. A derrota dos islamitas que se adivinhava favoreceu os mais radicais, os Shebabs, grupos de jovens revolucionários islâmicos. Estes aderem à Al-Qaeda e perpetram ataques suicidas espetaculares que provocam o pânico. Urge mudar mentalidades para garantir um estado viável e a satisfação das necessidades das populações.
   O Sudão, «o país dos negros», é habitado por tribos que falam arábico no norte muçulmano e por etnias africanas no sul cristão. Entre o povo desencadeou-se uma guerra civil que culminou com a instituição do Darfur. No território sudanês vigora a chariá na sua aceção mais rigorosa em termos de defesa da probidade dos costumes. Existe uma vigorosa herança sufi, conjunto de seitas ou confrarias que se dedicam à contemplação e à ascese. Estão muito divulgadas e são uma face visível do islão em muitos países. Os islamitas, aqui como em todo o lado partidários da Al-Qaeda, depois de um período ativo, causaram incómodo e desilusão em particular entre os jovens. Mas a situação está longe de estabilizada.
   O estado sírio resulta dos acordos de Sykes-Picot no qual franceses e ingleses dividiram entre si o moribundo império otomano. A sua sobrevivência deve-se a uma útil aliança entre a minoria alauita protegida pelos franceses e o partido Baath. Após golpes sucessivos Hafez Al-Hassad torna-se presidente e governa com base na referida aliança. Sucedeu-lhe seu filho Bashar. Mas a composição étnica e confessional da Síria é muito complexa. Há curdos, drusos, arménios circassianos e ismaelitas. Judeus. Entre os cristãos (5%) há arménios ortodoxos, gregos melquitas, siríacos ortodoxos, católicos siríacos, arménios católicos, maronitas, protestantes, nestorianos e católicos caldaicos. Existe uma franja importante da Irmandade Muçulmana importada do Egito que apela à transformação pacífica, difícil num país com esta originalidade étnica e confessional. Mas, em 2011, a sociedade síria farta das tramoias engendradas por alauitas e o partido no poder iniciaram uma revolução que trouxe a guerra civil e a destruição a esta nobre nação.
   Na Tunísia a equação feminina assume um particular relevo. É o país islâmico mais moderno no que toca aos direitos das mulheres. Têm direito ao divórcio, podem abortar, casamento e educação entre outros. Apresenta um bom índice de desenvolvimento humano à frente de centenas de estados. Os islamitas têm exigido uma reislamização da sociedade e as mulheres, no meio de manifestações, golpes e violências vêm reassumindo muitas das suas tradições. Os partidos radicais levam a cabo atentados e os partidos conservadores têm ganho eleições. A Tunísia terá muito a perder se o povo abdicar do seu modo de vida. Os estados vizinhos não desejam um estado islamita no país de Bem Ali. Urge que se imponha a moderação.
   O Iémen resulta da unificação do norte com o sul. É um país pobre com um poder central fraco e é dominado por numerosas tribos e clãs. Trata-se aqui de um islamotribalismo. O presidente Al Saleh tem de se ver com várias tentativas de golpe e revoluções perpetradas por islamitas e pelo braço armado da Al-Qaeda no país, o AQPA (Al-Qaeda na península Arábica) que veem nele um aliado do inimigo ocidental. O Iémen é abrigo de jihadistas e tem sido intimado a deter as suas atividades.

terça-feira, 4 de junho de 2013

O HOMEM QUE MATOU O DIABO

   Uma velha aldeia. Um artista. Um ladrão de arte. Uma mulher amorosa. Outra mulher estouvada. Um pobre filho de Deus que parte à sua sorte ao encontro da vedeta, Máxima, atriz na cidade-luz. Percorre as imensas planícies de Espanha, esfarrapado, desditoso, sem temer a miséria. Pelo caminho conhece o cárcere onde encontra D. Gonçalo Prieto que lhe indica a melhor maneira de fazer o caminho de modo a não lhe faltarem a comida, a bebida e o inprescindível repouso com o minímo de conforto.
   Tratado da alma, perpassa na obra o conflito entre o clericalismo nas maneiras e a ânsia de conhecer mundo, experienciar a novidade, viver uma vida de prazer e renunciar à escravatura de uma existência simples e frugal  com apelo ao desprendimento e aniquilamento dos sentidos. O artista luta contra os seus demónios interiores cuja esconjura só será possível com o desfrute do fruto desejado. E sempre vão surgindo umas tâmaras apetitosas para deleite de um corpo e perda de uma alma. No fim lá estará ela, Máxima, sempre ela, que o rejeitara mas que sucumbe ao poderio deste adonis triunfal.
   Rico de discrições, discurso amplo que honra o linguajar das beiras, retrato fiel do modo de ser beirão serve de instrução e de deleite ao mais nobre literato. De mensagem rica, sem beatices às quais repugna mas com um sólido fundo moral, Aquilino Ribeiro escreveu simultâneamente uma estória de amor e um ensaio de filosofia numa prosa que faz juz aos nossos mais ilustres mestres da pêna. 


quinta-feira, 9 de maio de 2013

FRANCO

   A autora ressalva o facto de não apreciar o biografado e garante que essa antipatia não interferiu com a necessária objetividade histórica. O general Franco foi uma personalidade controversa que ainda hoje suscita acesa polémica e inflama o sarcasmo e os impropérios dos seus opositores.
   Parece que era uma pessoa pouco culta e de poucos estudos. Apenas terá escrito uma obra mas mesmo essa de fraca qualidade literária. Mas onde esta figura proeminente mais se destacou foi no campo das armas. Era um militar brilhante e que soube ao mesmo tempo tirar partido do serviço em Marrocos para cingrar na carreira das armas. Foi igualmente o mais novo oficial do exército espanhol.
   Era monárquico. Desconfiava da democracia parlamentar e apadrinhou o regime corporativo. Submeteu os sindicatos e perseguiu os opositores politicos.
   É dificil não compreender de certa maneira o seu papel na guerra civil de Espanha na qual foi o principal protagonista. Ninguém sabe para onde caminharia a Espanha inundada por uma maré de separatismos se a República saísse vencedora desse conflito mas tardou em perceber que a democracia seria o futuro da Europa em geral e da Espanha em particular.
   Auto-proclama-se «regente vitalício» e è nessa qualidade que em 1958 dá posse a um governo tecnocrata influenciado pela Opus Dei que viria a lançar com muita oportunidade o país na modernidade económica numa altura em que dava os primeiros passos o embrião da unidade europeia
   Como senhor absoluto de Espanha conduziu, voluntáriamente ou empurrado, a nação espanhola para uma transição pacífica e, após muitas hesitações, já moribundo entregou o poder a D. Juan Carlos I, Bourbon, o legitimo representante da dinastia que tradicionalmente governava o país.
    Faleceu em 1975. Foi Senhor até ao fim. Só a velhice e o inelutável fim da vida o afastaram do poder.
   É dificil pronunciarmo-nos sobre alguém tão complexo. Os seus detratores acusam-no de ser um sanguinário sem escrúpulos e responsável pela morte de milhares de espanhois. Outros vêem nele a figura que garantiu a unidade de Espanha e o fim do perigo da sovietização do país que uma vitória da república de comunistas, anarco-sindicalistas e outros radicais acarretaria.

domingo, 28 de abril de 2013

LABIRINTO DA SAUDADE

   Eduardo Lourenço escreveu esta obra em 1978, altura em que Portugal era muito diferente. O que significava então e o que significa agora ser-se portugues e como então e agora os portugueses se vêem a si próprios é uma das preocupações do autor na sua demanda pela alma lusitana. Portugal mudou muito entretanto mas alguns dos nossos estereótipos culturais permanecem os mesmos. O fatalismo, o virar-mo-nos para dentro e a nossa recusa em nos projetarmos no nosso futuro que são os outros.
   Composto por textos magníficos, alguns críticas publicadas em jornais, vislumbramos através de vultos da nossa história e literatura, os vícios, os bloqueios e os dramas que são os nossos e que refletem a nossa ansiedade e capacidade de superação e desenrascanço. Vários dos nossos melhores pensadores e o seu contributo para a compreensão da razão de ser do nosso percurso e da nossa cultura e a originalidade do ser portugues permanentemente emparedado entre a identidade que lhe é própria e a ameaça das margens que o oprimem.

sábado, 13 de abril de 2013

O ALEGRE CANTO DA PERDIZ

   Esta é a estória de Delfina, a mulher de voz de perdiz. A estória de uma preta que sonhou sair da escravidão e da miséria na qual se encerrava toda a sua vida. Mulher de muitos amores. Amores e desamores como só as grandes mulheres. Partilha a cama entre um preto e um branco. E legiões de outros admiradores que se deixaram enredar pelos seus feitiços. O José dos Montes, que a adora e a trata como uma raínha, sua loucura e sua perdição. E o Soares, opressor, colonizador, nada pode perante as insinuações de Delfina e a magia dos curandeiros, intérpretes da voz dos antepassados.
   O Moyo morre ante as facadas do José, tornado sipaio. Os concelhos do ansião não demovem a ganância e a vontade de ascensão social do marido de Delfina. E prevê a desgraça. Foi ela que transformou o marido num farrapo e vai também sujeita-lo à humilhação de gerar uma filha mulata. José caminha pela vida como um bêbado. Perdera a sua Delfina. A obstinada preta recorre à magia do Simba que, após hesitar, aceita um pacto com ela. Mas não sem levar a filha preta de Delfina, a maria das Dores, que a sua mãe despudoradamente lhe oferece. Ficará ausente durante muito tempo.
   Entretanto o Soares dá a Delfina uma enorme prole. E inundado de saudades de casa regressará à metrópole e deixará Delfina com os seus filhos entregue à sua sorte. A mulata Jacinta interroga insistentemente a mãe sobre o destino da irmã. Maria da Dores foge do Simba e vagueia durante anos perdendo os filhos que entretanto gerara e levando uma existência de loucura e solidão. Vinte e cinco anos depois reencontram-se o Simba com ela e os restantes filhos, netos de Delfina. José dos Montes que vivia só depois de ter sido escorraçado pela esposa reencontra-a a ela, aos filhos e netos num abraço enternecedor.
   Vão-se aos poucos as recriminações dolorosas que inicialmente estiveram presentes e celebra-se a harmonia, o amor e o perdão que forjaram a nação do futuro.
   Com a independência veio a vitória das muitas Delfinas, Marias Das Dores , Jacintas e tantos outros irmãos no sofrimento. Estas foram as pessoas, os heróis e os empreendedores que tornaram possível a existência no futuro de um Moçambique unido, próspero e digno onde sejam superados os estigmas que caraterizaram a sociedade durante tantos anos.


sábado, 30 de março de 2013

A VIDA FELIZ

   Os Estoicos, nos quais se inclui Séneca, foram a escola filosófica que protagonizou uma das mais interessantes abordagens do que deve ser uma vida plena de realizações. Situam a felicidade na austeridade de principios e defendem um conceito de bem que em muitos aspetos lhes sobreviveu e influencia ainda as conceções morais na atualidade. Séneca explana o que para si deve ser uma vida feliz e como se devem processar as relações com os demais. O filósofo ocupa a última parte da obra repudiando os ataques dos seus detratores que vêem nele uma espécie de fala-barato que prega uma moralidade e leva uma existência em tudo contrária àquilo que postula. O brilhante pensador refuta as acusações de que é alvo e reitera a verdade do seu pensamento e a autenticidade na observância daquilo que propõe.
   Livro breve, leitura agradável, um dos marcos do pensamento clássico. Imprescindível para um domínio das bases da filosofia e resistente às poeiras do tempo.

domingo, 10 de março de 2013

PÉRICLES

    Foi o principal arauto da primeira experiência democrática tal como foi ensaiada no século V a.c.
   Representou um progresso para os padrões da época esta experiência embora encerrasse em si perplexidades e contradições. Não era unicamente por conceder os direitos de cidadania a uma pequena minoria ou possuir escravos que a democracia grega resultou imperfeita. O ascendente de Péricles e o domínio que exercia sobre as assembleias que manipulava a seu bel-prazer e nas quais desempenhava quase todas as magistraturas de importância fazem da democracia ateniense uma caricatura face aos conceitos atuais.
   Agradável de ler contem o essencial sobre o século de Péricles. Recomendo.

segunda-feira, 4 de março de 2013

SHAKESPEARE

   Sabe-se muito pouco sobre este personagem que terá sido o maior ou um dos maiores dramaturgos de todos os tempos. Desconhece-se o que fez em boa parte da sua vida, por onde andou, que salas frequentou ou se as peças que se lhe atribuem são realmente suas.
   Foram contadas até as palavras e as vírgulas das suas obras, não há autor mais estudado. É enquadrado no ambiente politico, cultural e social da sua época. O seu pai, John, parece que era um negociante, chegou a comerciar lãs e foi várias vezes multado por usura, crime grave naquele tempo. Deu a William uma educação esmerada. A escola de Stratford era reputada mesmo para os padrões da época. Aquele que viria a ser um famoso dramaturgo era um bom vivan que apreciava as coisas boas da vida. Não se sabe se caçava ou não nem se sabe ao certo o nome exacto da sua esposa que terá casado grávida, nada de muito anormal quando existe a séria possibilidade de se morrer muito jovem. As pessoas esforçavam-se por viver depressa e poucas chegavam à velhice.
   Londres no século XVI era uma cidade atavicada e suja e nela a vida corria caótica como numa urbe moderna. A catedral era um antro de meliantes, servia de latrina e de recreio para as crianças. A zona dos teatros, extra-muros, era imunda e convivia com nauseabundas fábricas e oficinas. Estes tinham má fama mas a raínha resistia em proibi-los pois também os apreciava.
   Muitos especulam se Shakespeare teria sido um cristâo que recusava o novo rito, o que na altura podia ser uma imensa fonte de chatices, e falam em católicos na educação do jovem William.
   Sobre os atores era exercido um forte controlo. Não podiam ofender a raínha ou a nobreza e as peças estavam sujeitas à aprovação do «master of revels» para serem levadas à cena sendo propriedade da companhia e não do seu autor. Os artistas ganhavam mal e a profissão de ator não conferia respeitabilidade intelectual.
   A primeira referência a Shakespeare aparece num panfleto de Greene em termos pouco elogiosos que revelam despeito e inveja. Eram dedicados por vezes poemas e outras obras a aristocratas como forma de pedir um patrocínio mas nem todos aqueles que valeram a Shakespeare possuiam uma boa reputação. A vida no teatro não era fácil e algumas companhias se dissolveram por causa da peste e de infortunios financeiros. Poucas sobreviveram.
   Há dúvidas sobre com que peça Shakespeare se iniciou. Essa parece ser de facto uma questão insanável pois muitas peças tinham um segundo título. Mas pode dizer-se que, no que respeita a certos aspetos, a sua obra tinha pouco de absolutamente original. Por vezes o dramaturgo apropriava-se de nomes, enredos, diálogos e títulos. mas quase todos os escritores na época o faziam visto que tudo isso era considerado património comum.
   Mas a sua originalidade é já notória no que concerne às partes intrinsecas da sua vasta obra. Na verdade as peças de Shakespeare não estão sujeitas a espartilhos nem seguem as convenções teatrais que se estão a formar. Nelas ele usa versos brancos, versos rimados e prosa. Muitas falas e expressões são polissémicas e dão origem a confusas e demoradas interpretações. Em algumas áreas Shakespeare revela importantes conhecimentos. Fala no movimento orbitral dos astros muito antes de Galileu e sabe exprimir-se em francês. Emprega termos de medicina, direito e botânica. Noutras revela um saber básico incorrendo em anatropismos inúmeras vezes. Consegue ser muito criativo pois faz trocadilhos numa escrita que, na altura, se carateriza por uma grande instabilidade gráfica e introduz centenas de neologismos que criaram raízes e enriqueceram de sobremaneira a lingua inglesa.
   Em 1596 Shakespeare já gozava de fama. Por esta altura morre o seu filho Hamnet e é também aí que ele cria as suas personagens mais cómicas. Adquire então um brasão de armas e compra uma grande moradia. A vida corre-lhe bem mas é feroz a concurrência entre as companhias. O sucesso continua durante o reinado de Jaime I, personalidade um tanto canhestra mas que protegeu muito a cultura e firmemente o defendeu. Dá-se a Conspiração da Pólvora, evento referenciado em algumas das suas peças. Além do teatro os seus sonetos são motivo de polémica.
   Após a sua morte superabundam as questões sobre a sua identidade e a originalidade do First Folio que se encontra pejado de emendas, aditamentos e supressões e sobre ele se fizeram as mais imaginosas falsificações. Nada disto consegue abalar a credibilidade daquele que ficou para a história como um dos maiores génios literários de sempre.    

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

VOLFRÂMIO

   Em Aquilino Ribeiro vemos as imagens, os cheiros e os fulgores das gentes das terras da Beira nas suas azáfamas diárias. Em «Volfrâmio» são os horizontes das vilas de Malhadas da Serra, Mouramorta e do Vale das Donas que aparecem na sua labuta quotidiana. Vemos nela contracenar o dr. Manuel Torres, afamado doutor da aldeia; o Augusto Aires, atrevido pesquisador de volfro como o são quase todos por quelas paragens. Em seu redor surgem personagens caricatas como o altivo Calhorra e os estrangeiros cujo unico interesse residia no mercadejar do importante metal tão necessário à máquina de guerra alemã ou dos aliados. Muita gente enriqueceu nessa altura, trocaram-se várias vezes propriedades, leiras e bouças mudaram de mãos. 
   Pelo meio andamos às voltas com uma história de amor. O Aires é completamente apaixonado por Teodora. Sobram peripécias envolvendo o Duarte, a Bárbara, a Polónia Fandinga, o Luis Ougado, o pe. Tadeu e a Florinda. À mistura um crime, um julgamento, um culpado. O Aires, inicialmente acusado, sai ilibado.
   Mas por toda a obra se admiram os costumes, o linguajar e o modo de viver dos beirões que nem o volfro nem os abundantes trambiques entre mr. Corbet e Hincker conseguem alterar. No fim o Fráguas, que havia sido contemplado no bem-de-alma da Bárbara, ganha uns cornos do tamanho da serra da Estrela já que a sua esposa, Solange, fugira com o Calabaz. O pobre infeliz persegue-a mas pelo caminho esquece a desditosa e fixa-se em Paulinha, filha de Hincker, a quem socorrera num pequeno infortunio rodoviário.
  


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A MORAL ANARQUISTA

   
   A utopia de uma sociedade sem poder. A ilusão de um Homem transformado pela ação revolucionária. O pensamento de Kropotkine resulta imperfeito e contraditório. As suas bases negam as evidências sociais. De facto não há nada inelutável na solidariedade e não se explica como se passa do prazer próprio para níveis mais elevados de convivência social. Além do mais o autor confunde prazer com necessidade. Há uma contradição entre «prazer próprio» e «solidariedade» e não é certo que esta adquira a força de um hábito como é visível pela existência de «homens maus que maltratam crianças». Estes indivíduos têm na verdade, por vezes, uma imensa trupe de seguidores. O autor impele à ação mas reconhece a existência de sentimentos contrários. Não consegue demonstrar como a sã convivência social implica uma sociedade sem autoridade.



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O REBATE

   Romance escrito por José Rentes de Carvalho cuja ação se desenrola em trás-os-montes numa aldeola isolada pelas montanhas e que se vê afetada na sua pacatez por uma francesa amalucada que entretanto se havia casado com um emigrante, dileto filho da terra.
   A vetusta localidade é sobressaltada pela bela moradia que o Valadares manda lá construir, pelo dinheirame que ele ganhara em terras de frança e pela sua belíssima esposa, Louise, cujos hábitos um tanto mundanos e costumes ousados veem perturbar a vida dócil e monótona dos aldeãos. Desencaminha todos os homens da terra,  permite-lhes todo o tipo de liberdades e subleva as suas quietas esposas. Banha-se nua no riacho da vila, participa em borgas e beberetes e sedu-los para a vida fácil que se leva lá por fora. O sino tocando a rebate traduz o simbolo dos valores postos em causa e a aldeia outrora bucólica jamais será a mesma depois de conhecer a tresloucada forasteira. Os casamentos desfazem-se,  os jovens entregam-se a sonhos e ilusões, as relações entre as pessoas alteram-se e até o padre acabará por desistir do sacerdócio duvidando da sua vocação.
   A obra constitui um poderoso retrato da ruralidade do Portugal salazarista, parado no tempo, desconfiado mas permeável ás novidades e ao progresso. Bom documento de época é um testemunho de um país que, para o bem e para o mal, já não existe.