quarta-feira, 31 de julho de 2013

MENINA JÚLIA

   No prólogo o autor faz umas pertinentes considerações sobre a emergência do teatro e a arte de montar uma ilusão. Refere técnicas, modos e singularidades.
   A peça em si é muito breve. Incorpora três personagens: dois criados e uma fidalga filha de um aristocrata condal. A tresloucada moça herdou um temperamento difícil rejeitando como abstrusas as diferenças entre macho e fêmea no que à relevância social dizem respeito. Gera-se um curioso diálogo com um criado, prometido a outra serviçal da casa. Entre copos e conversa a menina Júlia perde-se de amores por João (assim se chama o criado) que a insta a fugir com ele na esperança de uma vida nova, novas aventuras e liberdade para os dois. Cristina percebe a tramoia e torna-se um elemento incómodo nos planos que gizaram e não concebiam lugar para ela.
   Sobressaem considerações sociais, reflexões sobre a humanidade de cada um e a convicção de serem de condição dissemelhante mas de fortuna e destino idênticos. Prova-se que a sensatez não escolhe classes, estatuto ou riquezas. A obra lança interrogações, abre-se às interpretações do público e tem a capacidade de perturbar a sociedade nos seus vícios, dissimulações e fantasias.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

CÍCERO

   Cícero veio ao mundo em 106 a.c. num tempo muito conturbado como conturbada foi a sua vida. Nascido em Arpino no seio de uma família com pergaminhos, irmão de Quinto, filho de Marco, sobrinho de Lucio e neto de Marco Cícero. foi um eminente orador, politico e advogado. Pertencia à tribo dos volscos e parece que a família possuía também uma casa em Roma. Recebeu uma educação esmerada tendo como preceptores os mais reputados pedagogos da época. Apreciava a literatura em especial a poesia e a filosofia. Tinha como ideal o status literário dos gregos que admirava e privou com figuras como Quinto Múcio Cévola, Crasso, Julio César e Marco Emilio Escauro entre outros. As clientelas eram o modo que os cíceros abraçaram, como era usual na altura, para obter favores, conseguir melhor instrução, ascender socialmente e conviver com as figuras mais eruditas.
   As influências estrangeiras em Roma eram notórias já que os romanos possuíam uma escassa literatura e uma intelectualidade muito limitada. O império romano era extenso e estava sujeito a permanentes rebeliões vivendo as suas elites num sobressalto constante. Cícero foi contemporâneo das tentativas de conceder a cidadania a importantes regiões da península itálica e das guerras que se lhe seguiram. Assistiu igualmente à revolta do rei do Ponto que, aproveitando a fragilidade momentânea dos romanos liderou uma revolta enfim travada em condições muito humilhantes surgindo tribunos como Sulpício, figuras como Ático e magistrados como Mário e Sula.
   O livro contem detalhes muito interessantes sobre o aspeto de Roma, as suas ruas, a anarquia urbana, as insulae e o fórum. A cidade não tem polícia nem funcionalismo publico. Para se protegerem os magistrados arregimentam autênticos exércitos pessoais. O assassinato politico está institucionalizado. Quase todos os magistrados têm um fim trágico. O fórum era o centro da vida administrativa de Roma e incluía tribunais, templos e um mercado onde se vendiam todos os trastes.
   O caso que lançou Cícero como advogado foi o alegado parricídio de Róscio. Saiu-se muito bem embora outros o tivessem recusado pela intriga ter ligação a Sula e aos seus apoiantes. Chovem os processos na secretária de Cícero.
   Por volta de 79 a.c. casa com Terência, mulher de família rica, assertiva e nada submissa. Pouco tempo depois nasce a sua filha, Túlia. Cícero parte em viagem pelo mediterrâneo oriental. Durante essa viagem contacta com os mestres gregos, estuda filosofia e aperfeiçoa os seus dotes de retórica.
   Em 75 a.c. candidata-se ao questorado e ganha. Colocam-no na Sicília mas Terência fica em Roma. A função dos questores era a de assistir aos cônsules, supervisionar a coleta, calcular os preços e autorizar os pagamentos. A vida pacata da república só é perturbada por dois acontecimentos que são resolvidos por ex-protegidos de Sula, Pompeu e Crasso: a sublevação em Espanha e a revolta de Espártaco.
   Tem várias vitórias nos tribunais entre elas o processo contra Verres a quem acusa de extorsão. Ganha grande fama com esse difícil triunfo. Em 69 a.c. é edil e com o seu desempenho cai nas boas graças da população urbana da cidade. Um ano mais tarde inicia a sua correspondência com Ático. Seu irmão quinto casa com Pompónia mas dá-se mal com ela. Morre Lúcio. Sua filha Túlia fica noiva de Gaio Calpúrnio Píson Frúgi e casa-se pouco depois. Cícero investe no imobiliário comprando várias villae. Torna-se pretor em 66 a.c. mas continua a advogar. Ao defender a nomeação de Pompeu para comandar o exército na Ásia granjeia apoios vários para a ascensão ao consulado.
   Na candidatura ao consulado, dos opositores de Cícero, só dois são efetivamente perigosos a saber, Gaio António (pouco dado aos combates políticos) e o corrupto, debochado e pouco recomendável Lúcio Sérgio Catilina. Cícero venceu facilmente com António mas Catilina nunca aceitou a derrota. Doravante tentará conspirar contra o senado e a república movido pelo ressentimento. A primeira conspiração teria sido instigada por Crasso e César. Mesmo estes depressa se aperceberam que o conjurado tinha pouco tato politico e sobretudo pouco juízo. Catilina sempre se mete em confusões; Cícero tentou defende-lo de uma acusação mas ele acaba por ser absolvido por outros meios.
   A situação económica era grave: desemprego, dívida elevada e carestia de vida. Cícero faz um pacto com António oferecendo-lhe o governo da macedónia que se seguiria ao consulado em troca do apoio do colega. O que se seguiu foi que Cícero praticamente governou sozinho. Os popularis propõem uma lei de reforma agrária mas Cícero discorda causando perplexidade nos seus apoiantes.   
   Mas as dificuldades e as provas do seu mandato não se ficam por aqui. O tribuno Tito Labieno acusou um velho senador de alta traição devido a um assassinato ocorrido mais de trinta anos antes. Além do mais César candidata-se a sumo pontífice e ganha. E é publicada uma lei contra o suborno eleitoral.
   Catilina prossegue nas suas maquinações, é vigiado por Cícero e denunciado por uma mulher sabedora de todas as manobras dos conspiradores, a desbocada Fúlvia. Depois de ter sido derrotado uma segunda vez para o consulado enche-se de ódio contra o estado e deseja vingar-se. Para mostrar alguma boa vontade pede para ser colocado sob prisão mas ao invés fica confinado à casa do pretor Cecílio Metelo Celer. O senado reúne-se na sua presença e é banido saindo de Roma. É declarado inimigo público. Lá longe tenta arregimentar um exército enquanto na cidade os seus seguidores envolvem a tribo dos alóbrogos na conspiração mas são descobertos. O senado volta a reunir, desta vez na posse de provas. Lêntulo, um dos conjurados, renuncia ao pretorado. O debate é aceso e Catão e César discursam. Cícero indaga os senadores sobre a admissibilidade da pena de morte. Depois de várias peripécias os conjurados são executados. Catilina é morto numa escaramuça às portas de Roma.
   Há o perigo sobre o que fará Pompeu quando regressar vitorioso a Roma, como aproveitará o seu triunfo e o prestígio entretanto adquirido. O herói seguira os acontecimentos à distância, soubera qual tinha sido o fim de Catilina e encarregara Metelo de o fazer nomear comandante do exército.
   Cícero devia prestar contas findo o seu mandato mas cortam-lhe a palavra dizendo que quem executou sumariamente cidadãos sem julgamento não tem direito a falar no senado. Entretanto Metelo falha o seu intento e Cícero escreve-lhe uma gabarola missiva. A jactância de Cícero irrita Pompeu. É então que o célebre orador decide comprar uma casa no monte Palatino com dinheiro de um empréstimo que pedira a António. Embora possuísse várias villae não cessava de aumentar a sua riqueza. Entretanto mantem a sua atividade de advogado.
   Clódio era um partidário de Catilina e tinha fama de ser um revoltado e com muito maus princípios. Amava Pompeia, esposa de César e chegou a introduzir-se em casa deste disfarçado de mulher só para falar com ela. A juventude romana era libertina mas Cícero sentia-se bem entre ela e colaborava na formação de muitos jovens. Clódio chegou a ser acusado mas foi julgado e absolvido. Entre ele e Cícero superabundavam os chistes e as provocações.
   Por aquelas alturas Pompeu regressa em triunfo. Para se aproximar dos optimates divorcia-se e pede a mão da sobrinha de Catão mas é rejeitado. Os equites fazem umas petições no sentido de lhes ser reoutorgada a imunidade quando eram jurados e pedindo que se revissem os contratos de cobrança de impostos que eram demasiado onerosos para eles. Em 60 a.c. o tribuno Lúcio Flávio propõe uma lei visando distribuir terras aos soldados de Pompeu.
   César ganhava umas guerritas na Espanha contra umas tribos rebeldes Arquiteta um plano contando com a colaboração de várias figuras da república. Assim alia-se a Pompeu e Crasso mas não consegue convencer Cícero. O acordo era que nenhum dos três faria nada de que os outros discordassem. César propõe uma distribuição de terras e para selar o acordo Pompeu casa com Júlia, filha de César. Depois de deixar o consulado este pretende a administração da Gália Italiana e da Ilíria por cinco anos.
   Clódio faz-se adotar por um popularis e torna-se tribuno com a intenção de perseguir Cícero. Os seus projetos estendem-se do campo legislativo aos direitos cívicos. Apresenta um projeto de lei para criminalizar quem tivesse executado um cidadão sem julgamento visando atingir Cícero. Iniciam-se tumultos apoiados por si e pela suas hordas de desordeiros. Embora ainda conserve muitos amigos Cícero sente a sua vida em perigo e ausenta-se de Roma.
   Cícero, que se fixara em Tessalónica, inicia uma campanha ajudado pelos seus amigos, e sobretudo por Ático, para se reabilitar. Para isso escreve várias cartas entre as quais a Pompeu. A situação em Roma era explosiva. Clódio continua a provocar desacatos. Várias leis para reabilitar Cícero são rejeitadas mas finalmente uma delas consegue ser votada na assembleia militar reunida no campo de Marte. Cícero entra triunfalmente em Roma. Clódio espalha que a falta de cereais que se faz sentir na cidade é culpa sua e fica decidido criar uma comissão para resolver o problema. Querem indemnizar Cícero e reconstruir as suas casas que haviam destruído mas os de Clódio apedrejam os trabalhadores que trabalham nas obras e instiga motins.
   Há o projeto de restituir o trono despojado ao faraó do Egito mas não se conseguem pôr de acordo sobre quem chefiará o exército libertador. Pompeu? Cícero deve favores a Lêntulo e a Pompeu. Milo é levado por Clódio a tribunal e acusado de homicídio. Por causa disso há tumultos no fórum. Cícero defende Marco Célio Rufo de uma acusação de homicídio alegada pela irmã de Clódio. Defende também Séstio. O triunvirato permanece em dificuldade. Cícero propõe o respeito pela autoridade e pela dignidade do senado.
   Propõe a revogação da legislação agrária de César. Pompeu diz que vai à Sardenha comprar cereais mas desagradado fala primeiro com César. O jogo de Cícero é perigoso. César pretende renovar a aliança com os seus comparsas. Com ela os três têm a ganhar. O acordo faz-se. Pompeu adverte Quinto acerca da conduta de Cícero. César quer a prorrogação dos seu cargo de governador por mais cinco anos. Cícero defende-o a contragosto. Cícero está em dívida com Pompeu e César por terem apoiado o seu regresso e por isso aceita humilhado estar sob as suas ordens. Defende partidários de César e ganha. Assim retira-se da vida publica e junta-se aos amigos. Aproveita para reconstruir as suas casas e melhorar a sua biblioteca. Encomenda a um erudito a crónica do seu consulado mas a obra não chegou a fazer-se. Clódio continua a organizar tumultos.
   Cícero aproxima-se de César e Quinto é nomeado seu lugar-tenente na Gália. Aqueles têm interesses literários comuns e partilham entre si numerosos escritos. Cícero fica em Roma a tratar dos negócios do irmão. Crasso faz guerra aos partos mas á derrotado e perde a vida. Restam agora Pompeu e César no triunvirato. Clódio é morto numa emboscada contra Milo, seu opositor nas ruas. A populaça exige vingança. Milo é defendido por Cícero em tribunal e Pompeu restabelece a ordem. Cícero continua a apoiar a instrução e a carreira dos jovens e é secundado nas suas tarefas pelo seu escravo Tiro.
   Agora que estava afastado do fórum, Cícero tenta intervir na vida politica através da escrita. Escreve «A República» e «As Leis», escritos em forma dialogar à boa maneira grega.
   As relações entre César e Pompeu experimentam alguns sobressaltos. Este tende a afastar-se daquele e a aproximar-se do senado. Pompeu casa com Cornélia , filha do optimate Quinto Cecílio Metelo Pio Cipião Nasica. Há sérias desavenças entre Quinto e Pompónia. Túlia está divorciada do segundo marido. Cícero teme enfrentar César pois deve-lhe favores e ainda não lhe restituiu o dinheiro que este lhe emprestara. Aceita a contragosto o cargo de governador da Cilícia desde que seja só por um ano mas pede a Célio que o mantenha informado sobre o que se passa em Roma. Lá fez guerra aos partos e a outros inimigos e saiu-se bem tendo governado a província com justiça. Durante o seu governo é confrontado com uma burla usurária de Bruto. Quinto pensa divorciar-se de Pompónia mas, apaziguados pelo filho, o divórcio não chega a ocorrer. Túlia casa com o mulherengo Públio Cornélio Lêntulo Dolabela.
   A vontade do senado de acusar César pondo assim um fim prematuro à sua carreira politica gerara desconfianças impossíveis de sanar. Agora convertido em inimigo tenta desembaraçar-se de Pompeu. Este ultimo, que vivia atormentado por problemas digestivos, é confrontado com a oposição do general. Cícero tenta patrocinar um acordo e César vê chegado o momento de agir. Pompeu e muitos magistrados abandonam Roma. Cícero quer manter-se neutro. Quer sair do país mas teme pela sua família. Pensa retirar-se para a Grécia. César, usando de total magnanimidade, exerce clemência em Corfínio deixando escapar magistrados e senadores que aí se encontram. Pretende atrair para a sua causa apoiantes de gabarito como Cícero e, caso não consiga, recorrerá à via revolucionária. Ao chegar a Roma o brilhante militar confisca o tesouro público guardado no monte Saturno o que o torna muito impopular aos olhos da plebe. Quinto fala com César comunicando-lhe o descontentamento do tio e a sua vontade de sair do país. A paciência de César tem limites. O nobre politico junta-se na Grécia a Pompeu cuja frota domina os mares. Catão critica a decisão  de Cícero. Entretanto César vence os seus adversários em Espanha e é eleito para um segundo consulado. Célio, pretor em 48 a.c. é destituído e revolta-se contra César mas é morto juntamente com Milo. César persegue Pompeu na Grécia e faz proposta de paz. A batalha ocorre e ele vence. Pompeu foge. Os seus amigos tentam reunir em África as suas tropas. Quinto zanga-se com Cícero pois aquele apostou tudo na causa do irmão e correu mal.
   Pompeu refugia-se no Egito onde tem uma enorme clientela. Mas o rei mata-o e entrega a sua cabeça a César. Dolabela faz uns desvarios em Roma. Contra a politica do governo faz campanha pelo cancelamento das dividas. César ausenta-se no Egito. Acede ao pedido de Cleópatra para a ajudar a conquistar o reino contra o seu irmão, o faraó. Farnaces do Ponto revolta-se contra Roma. Nasce Cesarião, filho de César e Cleópatra. César derrota Farnaces. Cícero começa a ter desavenças com Terência e acaba por divorciar-se dela acusando-a de prodigalidade entre outras coisas. Mas ela não perde tempo e casa com o historiador Gaio Salústio Crispo. Em Roma António põe termo à campanha insurreta de Dolabela mas César derrota-o e mantem a confiança em Dolabela. Por sua vez os veteranos que esperam a mobilização contra Catão exigem os pagamentos. A luta de César e Catão acontece. Catão não consegue aguentar a pressão e suicida-se mas torna-se um mito. Cícero trava amizade com o estudioso Marco Terêncio Varrão. Cícero dedica-se a ensinar oratória. César regressa em 46 a.c. e organiza quatro triunfos. O senado estende o período da ditadura de César por dez anos. O ditador concede a cidadania aos povos derrotados e nomeia senadores das províncias e comunidades italianas. Este órgão passa a ter uma composição peculiar. Nas reformas que empreendeu César tentou não ser sectário. É dele a reforma do calendário, o ano passa a ter 365 dias. Cícero mantem o sentido de humor e intercede pelos optimates vencidos. O famoso orador publica um livro sobre Catão e César fica furioso. Este escreve o «anti-Catão». Os dois filhos de Pompeu, Gneu e Sexto, dirigem-se para a Espanha mantendo a rebelião. Os filhos de Cícero querem juntar-se-lhes. Em vão. Cícero casa com Publília, uma jovem adolescente. Teve uma mulher mais velha com a qual teve longa amizade, Cerúlia. A sua filha Tulia, a favorita, morre e ele fica destroçado. Escreve uma «autoconsolação». Divorcia-se de Publília por causa da morte de Tulia. Cultiva a longa amizade com Ático. César vence Gneu, filho de Pompeu em Espanha. A guerra civil termina. Quinto mete-se em escândalos e desentende-se com a mãe. Cícero soube ultrapassar todos estes dissabores e no final da vida já está mais tranquilo.
   Afastando-se, ou tendo sido afastado da vida politica, Cícero vai dedicar-se agora a escrever. É essa a forma como ele intervém na vida pública e serve os seus concidadãos. Escreve «Bruto», «O orador», «Os paradoxos dos estoicos», «Hortênsio», «Académicas», «Os limites extremos», «Tusculanas», «Da natureza dos deuses» e «Dos ofícios». Algumas destas obras contêm vários volumes e discutem o estoicismo e o epicurismo. O legado de Cícero foi enorme. Os seus escritos ficaram para a posteridade e inspiraram o pensamento posterior tanto romano como cristão. É mesmo considerado como um pagão virtuoso. Mas o latim era uma língua desprovida de terminologia técnica e por isso não captava a profundidade da filosofia. Também aí ele mostrou o seu brilhantismo dotando a língua romana do palanfrório técnico essencial ao debate teórico. Privilegiou a forma dialogar mas nas suas obras está presente uma enorme riqueza tanto estilística como substantiva.
   O que toda a gente esperava que César fizesse agora que venceu era restaurar a constituição e consequentemente a república. Quando se tornou claro que isso não ia acontecer cresceu o número de desagradados e descontentes com o novo status quo. Cedo se forjaram planos no sentido de assassinar o ditador. Trebónio falou a António, um dos generais de César, sondando-o no sentido de indagar se ele estaria disposto a participar numa conspiração com o objetivo de tirar a vida ao tirano. Juntaram-se-lhes imediatamente muitos opositores e optimates desiludidos com a perspetiva de terem César como Rei. Embora perante uma encenação no capitólio ele tenha recusado o diadema, os ilustres políticos não se deixaram enganar e foi no teatro de Pompeu que o vencedor da guerra civil foi assassinado à facada de forma brutal e completamente sanguinária.
   António arroga-se o fiel intérprete da memória de César e começa a mexer os cordelinhos no sentido de lhe ser dada primazia. Mas os principais grupos influentes após a morte do ditador eram o exército e os auxiliares e funcionários públicos por si contratados. Estes últimos eram liderados pelos dedicados Balbo e Ópio. O senado entra em convulsão quando se trata de decidir o próximo passo a dar. Alguns querem punir os libertadores. Os senadores leem o testamento de César no qual ele nomeia como seu herdeiro, leia-se politico, o seu sobrinho adotivo Gaio Júlio César Octaviano.  António sente-se afrontado com a perspetiva de ser relegado para segundo plano. Um erro de avaliação dos aliados da república assumia que com a morte de César a constituição seria restaurada e o regime entraria novamente nos trilhos. Mas não foi isso que aconteceu. Os libertadores sentem-se em perigo e retiram-se para o campo e dá-se o regresso de Octaviano. Ao ser informado da sua poderosa herança este decide abraçar a causa pública e encetar diligências no sentido de ser ele o escolhido para suceder ao seu tio. Inspirando no início pouca confiança Octaviano soube captar a simpatia das principais figuras e sabendo que precisava de apoios tenta seduzir Cícero para a sua causa. No senado começa a dança dos lugares no que toca ao governo das províncias e António tenta manipular a sua atribuição. Dolabela passa-se para o lado do inimigo. No plano pessoal Quinto comete alguns desvarios o que deixa Cícero preocupado. O nobre orador goza de um prestígio ímpar em Roma e todos lhe pedem conselhos. No senado António discursa contra Cícero e este replica contundentemente. Gaio Mácio entra em conflito com Cícero. António e o novo César tentam cada um formar um exército. César reúne-se em Roma com a assembleia geral. Com pouco sucesso. António entra em Roma mas sai empurrado por uma onda de deserções. No senado Cícero defende César contra António.
   Cícero discursa perante o senado e compromete-se com a causa de César que ele julga ser mais sincero e a ascensão mais conveniente. Mas a fação de César era fraca. Havia nela os seus próprios apoiantes, os moderados alinhados com os cônsules Hirtio e Pansa e os apoiantes de António. César é declarado pro-pretor e a lei de reforma agrária de António é invalidada. A assembleia decide enviar uma embaixada a António com um ultimato. Este aproveita o facto de não ter sido declarado proscrito para fazer uma contraproposta liminarmente recusada pelos senadores. Negoceiam-se as chefias provinciais. Cícero arrisca ainda mais no apoio a César e critica António. Cássio luta pelo governo da Síria contra Dolabela que havia assassinado Trebónio, um dos libertadores. O senado quer castiga-lo mas Dolabela suicida-se antes de ser capturado. António é derrotado às portas de Mutina.
   A morte dos cônsules Hirtio e Pansa por ocasião da batalha de Mutina vem baralhar todos os dados. Agora urge saber quais são as reais intenções de César. Desconhece-se se ele agora continuará a obedecer às ordens do senado. Não se sabe se a sua aliança à república foi apenas tática ou se terá sido sincera. Bruto teme os planos de César tanto mais porque consta que ele quer candidatar-se ao consulado. Avisa Cícero que se encontra demasiado envolvido na defesa do jovem. Em vão. Com o tempo adensa-se a possibilidade de César vir a trair a causa republicana. Este não perde tempo e marcha sobre Roma que cai sem resistência. A 19 de agosto César e Quinto Pédio são os novos cônsules. Na impossibilidade de resolver a contenda rapidamente César encontra-se com António e negoceia com aquele uma saída para a situação. O acordo a que chegaram envolvia a criação de uma Comissão Constitucional, à semelhança do primeiro triunvirato, constituída por António, César e Lépido. O seu objetivo era apropriarem-se dos comandos provinciais a fim de reunirem um exército para derrotarem Bruto e Cássio. Enumeram um imenso rol de proscritos nos quais se inclui, a pedido de António que desejava vingar-se, o nome de Cícero. O famoso orador sente pela segunda vez a vida em perigo e foge. É perseguido e traído por cidadãos e escravos e é degolado.
   E pronto. Cícero está morto! Resta dizer que César dividirá com António o mundo antigo e em Ácio vencê-lo-á definitivamente. Ser-lhe-á outorgado o título de Augusto, o primeiro imperador romano. Eis-me chegado ao fim. Pela mão de Cícero passei por todo o século I a.c. e a sua vida confunde-se, e a sua sorte também, com o destino da república romana. O legado do orador, filósofo e politico perdurou até aos nossos dias. O seu testemunho de coerência e coragem é um exemplo a ter em conta e a sua obra é algo que merece ser estudado.