segunda-feira, 24 de março de 2014

SPÍNOLA

   António Spínola nasceu na rua de Serpa Pinto em Estremoz em 11 de abril de 1910. Provinha de uma família conservadora e seus pais cedo lhe incutiram os valores cristãos, de retidão e caráter. Estudou no colégio militar e é no oficio castrense que mais se vai distinguir ao longo de toda a sua vida. Subiu paulatinamente os degraus da hierarquia com brio e distinção e escolheu a arma de cavalaria na qual se iria afirmar.
   Chegou a publicar uns artigos na «revista de cavalaria» sobre o exército nos quais revelou um espirito moderno, aberto às novas conceções da guerra e ao progresso técnico e atreito às qualidades militares de lealdade, disciplina e arrojo. O seu pensamento já anunciava as novas teorias que se haviam de afirmar alguns anos mais tarde.
   Os anos do pós-guerra não foram nada fáceis para a família de Spínola que após a morte do general Monteiro de Barros se viu em dificuldades marcada pelo infortúnio e pela doença. Mas esses tempos foram superados e a sorte mudou. Spínola faz carreira na GNR e em 1953 é convidado para a Comissão de Regulamentos da Arma de Cavalaria que acumula com um comando da GNR. Advoga que o exército se deve abster da politica mas em momentos graves deve intervir na cena social atendendo à delicadeza de certas situações. 
   Em Angola, para onde se ofereceu para ir combater, vai para a frente de batalha com os seus soldados e mostra-se avesso a ficar parado sentado a uma secretária. Discorda da politica ultramarina do governo da metrópole preferindo uma atuação que privilegie a abertura às populações autóctones e o progresso económico e cultural. Teve alguns dissabores com Lisboa e atritos com o governador. Defendia uma solução federalista para o ultramar que consagrasse a cooperação com os indígenas tentando atraí-los para as suas causas. Sobe gradualmente toda a hierarquia militar até se tornar General.
   Na Guiné para onde vai como governador geral reivindica a atenção da metrópole para os problemas específicos da colónia e teme o efeito que uma derrota militar poderia ter na politica externa portuguesa. Encontra-se com os líderes do PAIGC para os ganhar para uma solução que consagre os direitos dos povos indígenas e os concilie com o prestígio do estado português como potência colonial. Arrisca várias vezes a vida. Defende uma politica de investimentos na melhoria das condições de vida dos guineenses para os seduzir para o convívio com os portugueses. Introduzem-se então vários melhoramentos mas o governo central desautoriza constantemente a politica seguida na Guiné e não dá atenção às necessidades militares e politicas da colónia.
   O consulado de Marcelo Caetano cedo se revelou uma desilusão. As constantes reivindicações de Spínola não encontravam eco no ministro do ultramar e no presidente do conselho. Spínola quis ser o indigitado para suceder a Américo Tomaz cujo mandato chegava ao fim. Caetano optou por prorrogar o mandato do presidente da república em detrimento de alguém com ideais mais reformistas e inovadores. Spínola manteve contactos com a fação liberal de Sá Carneiro e Magalhães Mota mas discordava da prioridade que esse grupo dava à democratização do país. O general preferia resolver primeiro o problema do ultramar.
   Os meados dos anos setenta vão encontrar Spínola em rota de colisão com Caetano. É o tempo em que a sorte mudou de vez. Amílcar Cabral havia sido assassinado segundo se dizia por uma fação dissidente do PAIGC mas suspeita-se que a PIDE também estaria envolvida. Os soviéticos fornecem os mísseis strella aos guerrilheiros que passam a fustigar as posições portuguesas. A segurança das tropas na guiné é posta severamente em causa.
   Spínola pede reforços. Mas o país não está em condições de disponibilizar assim tantos meios. Reúne-se com o CEMGFA, o general Costa Gomes e expõe-lhe a situação. Decide-se retirar de zonas pouco defensáveis e concentrar os recursos nos grandes centros. O governador protesta perante o ministro do ultramar sem sucesso.
   Sabe usar os jornalistas para a sua própria projeção pessoal e não se poupa a convivialismos e encenações. Recebe profissionais da várias partes do mundo e perante todos desenvolve uma sedução baseada no seu encanto pessoal e no prestigio enquanto militar. Spínola torna-se um mito. Leva os jornalistas a ver os progressos da Guiné sob o seu consulado e tenta transmitir uma imagem de feliz normalidade. Sabe ser ríspido mas por vezes condescendente para os seus subordinados e inculca neles a obediência e a disciplina.
   Mantem uma correspondência relevante com personalidades influentes e divulga os livros que escreveu durante o período que esteve na Guiné: «Por uma Guiné melhor», «Linha de ação», «caminho do futuro» e «Por uma portugalidade renovada». É sua convicção que o problema colonial é essencialmente politico e não pode ser resolvido unicamente no plano militar. Então regressa definitivamente a Lisboa.
   A guerra colonial era muito impopular. Milhares de mancebos emigravam para escapar à mobilização para África. Havia muitas baixas. O moral das tropas era fraco. As autoridades em Lisboa também não ajudavam muito. A solução só podia ser politica. Como Spínola preconizava.
   Há uma situação de impasse militar nas colónias mas logo a situação se começa a deteriorar. As reivindicações, os avisos e os projetos de Spínola não são ouvidos. O general demarca-se do congresso dos combatentes e com ele muitos outros generais e praças. É convidado para ser o novo ministro do ultramar e por isso são-lhe perguntadas as suas ideias mas ele diz que estas já são sobejamente conhecidas do Presidente do Conselho. A remodelação faz-se mas não contempla Spínola. Kaulza de Arriaga condena o imobilismo de Caetano e planeia um golpe de estado secundado por muitos militares mas Spínola não alinha. Procura-se a adesão do MOFA mas estes indagam as intenções dos revoltosos no plano interno. Este grupo decide boicotar a intentona e avisa Spínola e Costa Gomes que correm risco de vida. Spínola é nomeado vice-CEMGFA contra a vontade do Presidente Américo Tomás. O general quer publicar o seu livro mais polémico « Portugal e o futuro» no qual defende ideias novas que incomodam os homens do establishment. Spínola pede a devida autorização a Costa Gomes e esta é concedida. Silva Cunha aquiesce a contragosto. Caetano concede pois teme as ondas de choque de uma eventual proibição.
   Caetano sente-se incomodado com o impacto do livro.. Põe o seu lugar à disposição do presidente. A direita conservadora pretende a exoneração de Spínola e Costa Gomes mas o movimento dos capitães apoia os dois generais.
   Caetano procura ser fiel ao seu programa de governo que prossegue primeiro com a revisão constitucional de 1971 e depois com uma série de medidas politicas e legislativas. Considera o livro de Spínola nocivo e provocador de inúmeros danos no plano interno e externo. Apenas reconhece à Assembleia Nacional o direito de se pronunciar sobre a linha politica do governo. Spínola tenta ser conciliador mas o Presidente do Conselho refuta com veemência essa posição.
   Caetano encontra Tomás indisposto com a publicação do livro de Spínola. Aquele demite-se mas a sua demissão não é aceite. Há rumores que colocam Spínola em Ponta Delgada mas a sua presença com colegas em atos oficiais desmente as notícias. Caetano planeia uma cerimónia de vassalagem mas Costa Gomes e Spínola não aparecem e são exonerados. O CEMGFA é substituído por Luz Cunha, até ali Comandante-Chefe em Angola. O cargo de Spínola é extinto.
    


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