sábado, 31 de outubro de 2015

DE GAULLE



   Nasceu em Lille no dia 22 de novembro de 1890 e foi um homem do norte, região de labor e portadora dos valores mais genuínos da França tendo sido educado num ambiente de fervor religioso,  patriótico e cultural. Seus pais eram monárquicos e católicos. Desde cedo soube dar valor ao rigor e à austeridade de comportamentos. Em França por volta de 1900 abundavam em França os valores militaristas e nacionalistas numa época de confronto com a Alemanha por causa das possessões no norte de África. De Gaulle era frio, possuía uma memória extraordinária e depressa se distinguiu dos seus colegas.
   Seguiu a carreira das armas. Acolheu bem a guerra em 1914 onde viu uma oportunidade de se evidenciar. Foi feito prisioneiro mostrando durante o cativeiro uma notável presença de espirito. Aí teve o ensejo de se cultivar através da leitura. Esteve numa missão na Polónia entre 1919 e 1921. Publicou quatro livros sobre assuntos ligados à tropa levantando contra si uma série de apupos. No mais importante defende a existência de um exército profissional. Tentou promover as suas ideias tanto entre pessoas de direita como de esquerda, extremistas ou não.
   A bondade de um regime politico para De Gaulle passava pelo contributo que este desse para a grandeza de uma nação. Censurou a passividade da França e das restantes democracias perante os nazis e foi apanhado quase desprevenido pela invasão alemã rápida e avassaladora como ela se desenrolou. Tentou aplicar as suas ideias sem muitos resultados devido às condições que tinha e ao material que lhe foi confiado. Quando Reynaud foi substituído por Pétain, um partidário do armistício  a 16 de junho de 1940 partiu para Londres sozinho. Tentou então congregar à sua volta todos os bons franceses e passou a reivindicar o estatuto de legítimo representante da França livre. Passou a combater ao lado de Inglaterra nas colónias e onde fosse necessário.
   Em 1941 De Gaulle cria um comité nacional mas nele mantem toda a sua autoridade. A entrada dos americanos na guerra trouxe novos dissabores ao grande caudilho. Roosevelt desconfiava dele e nas ações aliadas no norte de áfrica De Gaulle foi excluído. A resistência que os aliados encontraram foi enorme e só terminou quando Darlan, um dos generais de Pétain, se passou para o seu lado. Aquele viria a ser assassinado e substituído no norte de áfrica por Giraud. O presidente americano resolveu juntar os dois generais desavindos mas De Gaulle não compareceu. O caudilho considerava a atitude do presidente americano uma inaceitável ingerência e por isso declinou o convite. De Gaulle tinha as suas razões para desconfiar das intenções dos americanos pois já havia rumores do estatuto que se ia atribuir à França depois da guerra. O general queria marcar a sua posição e fazia bem.
   Ninguém conhecia as ideias de De Gaulle. No início o caudilho parecia desconfiar da república, não mencionava a palavra «democracia» e só mais tarde parece ter aderido com segurança à trilogia da «liberdade, igualdade e fraternidade». O movimento da resistência descobriu De Gaulle e o general recebeu em Londres indivíduos como Jean Molin, o sindicalista Christian Pineau e o comunista Fernand Grenier. Todas estas figuras contribuíram para edificar o prestigio do general, tornaram-no conhecido no interior de França e fizeram diminuir os receios de Churchill e Roosevelt que passaram a ter com ele uma atitude mais aberta. Roosevelt tinha ainda grande desconfiança em relação ao general e os americanos planeavam tratar a França com um país vencido. Quando se deu o dia D a popularidade de De Gaulle surpreendeu os americanos. O grande caudilho conseguiu estabelecer os seus representantes nos vários setores do país. O plano americano acabava de falhar.
   De Gaulle desfila em Paris. O general tentava demonstrar a sua total legitimidade como leader da resistência e do povo. A França vivia num caos económico. Cedo surgiram duas posições dentro do recém reconhecido governo provisório. Uma, conotada com alguma esquerda, defendida por Pierre Mendès France advogava a austeridade. René Pleven dizia, por seu turno, que tal seria politicamente incomportável. O caudilho decide-se a favor deste último e Mendès France demite-se. Os colaboracionistas sentiram de seguida a mão pesada da justiça mas De Gaulle quis que houvesse o máximo de clemência. A continuação da guerra fez mossa entre os aliados. O general tenta entender-se com Estaline mas os seus esforços não dão fruto. Seja como for, conseguiu um tratamento bastante favorável para a França. Os resultados de Ialta e Postdam foram satisfatórios. De Gaulle queixa-se que os ingleses querem o médio oriente só para eles e protesta. A França também tentou equilibrar a situação na Indochina e nomeou o almirante Thierry D' Argenlieu para esse efeito. O objetivo era conservar intacto o território gaulês.
   De Gaulle, de início desconfiado, acaba por reabilitar os partidos ligados à derrota de 1940 mas recusa-se a apoiar qualquer um. As eleições estão à vista.
   A primeira constituição do pós-guerra foi rejeitada num referendo em 1946. Teve que se fazer outra que, esta sim, foi aprovada embora por escassa margem. Desgostoso com o rumo dos acontecimentos De Gaulle funda o RPF para conseguir a constituição que queria. Foi nas eleições municipais que o novo partido se conseguiu evidenciar. O general aceita o plano Marshall e a NATO mas teme que os assuntos da França sejam decididos a partir do exterior. A terceira república não lhe agradava. O partido tinha pouca força para impor o projeto do caudilho relativamente a uma nova constituição. As suas ideias anti-esquerda eram conhecidas e causadas pelo ambiente da guerra fria. Ele defendia uma espécie de capitalismo social. De qualquer modo De Gaulle mimoseou os partidários daquela república fraca com insultos irrepetíveis.
   As «mémoires» mantiveram De Gaulle à tona e deram-lhe visibilidade pública. O general cultiva a personalidade e compara-se a Joanna D'arc. É narcisista, solitário e melancólico como todos os grandes líderes. Impõe a si mesmo a distância em relação aos outros mas em privado é totalmente diferente. É afetuoso em família coma sua esposa e filhos. É católico e não costuma faltar a uma missa mas fá-lo por tradição. Os seus gostos literários resumem-se a Rostand e companhia. Em público é autoritário mas lúcido. A França é tudo para ele.
    A questão argelina dá a De Gaulle o ensejo de regressar à politica da qual se havia afastado havia alguns anos. Na Argélia a situação desembocara numa guerra civil. O general era encarado como o salvador da pátria. A 15 de maio de 1958 ele afirmara que estava em condições de assumir o poder devido à degradação da situação. A 24 verificaram-se movimentações militares para esconjurarem a hipótese de haver uma solução politica que não agradasse aos argelinos franceses. O caudilho inicia o processo de formar um governo para tranquilizar os militares. O presidente tenta um compromisso entre De Gaulle, Gaston Monnerville e André Troquer com os restantes políticos mas este falha. A 1 de junho o general é autorizado a elaborar uma nova constituição. As manobras militares que De Gaulle patrocina, ou pelo menos encoraja, destinam-se a remover os obstáculos à sua ascensão ao poder. Apoiado ou empurrado ele chegará às mais altas esferas de poder em França.
   Em meados de 1958 é elaborada uma nova constituição que é ratificada num referendo. No fim do ano De Gaulle é eleito presidente. O general triunfara. Em seguida nomeia Michel Debré como primeiro-ministro.
   O principal desafio que o caudilho vai ter de enfrentar é a questão argelina. De Gaulle, que em 1940 fora um ardente defensor do império, em 60 acreditava que a independência da Argélia era inevitável. Teve de fazer face à FLN que queria a secessão. Mas o general pretendia uma paz honrosa.
   A complicação era ter de gerir interesses antagónicos. Os pied-noirs exigiam a proteção da França mas os argelinos queriam a independência total. De Gaulle deu à Argélia três escolhas: a francisação, a secessão e a autonomia no quadro de uma comunidade sendo certo que ele preferia esta última. A violência estalava por toda a parte e a França estava perto da guerra civil. O terrorismo recrudescera. As negociações acontecem em Evian e De Gaulle cede. Por fim o presidente consegue controlar as manifestações e os golpes e a solução é aceite. No entanto a questão argelina tornou-se uma pedra no sapato na politica externa francesa.
   De Gaulle pensava que as ideologias eram o pretexto para a defesa dos interesses nacionais. As alianças apenas vigoravam enquanto servissem as nações. O presidente francês desenvolveu uma politica externa em tudo independente das grandes potências e da NATO. Começa por dar prioridade ao nuclear pois também aqui não quer estar dependente dos humores americanos.
   Retira a França da NATO e não quer ver forças estrangeiras em solo francês a ditar as regras. Relativamente à europa De Gaulle veta inicialmente a entrada do Reino Unido na CEE. Giza o plano Fouchet que visa uma união dos estados europeus mas sem órgãos supranacionais. A Grã-Bretanha é uma ameaça para a França nas suas ambições de supremacia.
   Hostiliza a América, irrita-a mesmo. Condena a guerra do Vietname e tenta uma aproximação à URSS e à europa de leste. As relações com a União Soviética melhoram bastante. O general encoraja o não-alinhamento para obter um mundo mais equilibrado. Vende armas à África do Sul, apoia o presidente M' Ba do Gabão e contesta a cruzada americana na Ásia. Faz um embargo de armas a Israel pois teme repercussões nas relações com o mundo árabe. Em 1967 quando visita o Canadá grita: «Viva o Québec livre!» Tem de regressar imediatamente a França.
   A politica externa francesa procura a grandeza da França, país ao qual o seu presidente acredita reservar-se um papel especial. Um lugar livre de amarras nem constrangimentos visando o seu fortalecimento na cena internacional.
   O presidente governa através da sua omnipresença em todos os negócios do estado. O seu estilo de comando a todos afeta e ninguém lhe é indiferente.
   Convence-se que o chefe de estado deve ser eleito por sufrágio universal e contra a vontade do parlamento decide pôr a questão a referendo. Sai vitorioso no referendo com 62% de aprovação. O general tem um estilo mais que autoritário mas sai-se bem pois privilegia o contacto com o povo e isso joga a seu favor. Os franceses ainda não tinham esquecido o que ele fizera pela França nos anos 40.
   De Gaulle apoia a sua força numa clara maioria parlamentar e goza de uma enorme popularidade entre as mulheres, os católicos e os idosos e em alguma esquerda mas é pouco popular entre os trabalhadores. São sobejamente conhecidos os discursos e as conferências de imprensa do general que usa a palavra como forma de persuasão. Mete-se nas questões gerais e mesmo nas matérias económicas o plano Rueff-Pinay é um exemplo de como se mantinha sempre à tona. As greves dos mineiros fazem com que a popularidade de De Gaulle caia para níveis nunca vistos e os planos de estabilização financeira também ajudam. No final do mandato quando se recandidata em 1965 o general prescinde de usar os tempos televisivos mas faz mal. Tem de ir a uma segunda volta contra Miterrand, o líder socialista.
   Para recuperar a popularidade posta em causa De Gaulle fala numa associação capital-trabalho mas não sabe como a há-de levar à prática. Os anos que se seguem são para ele de um tédio quase total. 
   A seguir acontece o maio de 1968. Os estudantes veem para a rua. As manifestações acontecem por toda a França. Do lado oposto aos manifestantes situa-se um De Gaulle sisudo e austero. Os sindicatos aderem à revolta. Os acontecimentos apanham o presidente numa fase descendente das suas vida e carreira. De Gaulle sente-se perdido. É Pompidou quem agarra a oportunidade de negociar com os manifestantes pedindo-lhes propostas concretas. Aparentemente o general foge para a Alemanha ensaiando talvez mais outro golpe de teatro. Mas é um presidente diminuído que aparece aos olhos da opinião pública. A 27 de maio as negociações com os sindicatos parecem ter sucesso. Em junho há eleições parlamentares e os gaullistas têm pela primeira vez maioria absoluta. O novo ministro da educação, Edgar Faure tenta uma reforma do sistema de ensino mas tem a oposição dos gaullistas.
   O general quer ver as suas reformas de descentralização e do senado aprovadas em referendo mas os franceses desautorizam-no. De Gaulle interpreta a recusa do eleitorado e demite-se. Pompidou é o senhor que se segue. O caudilho visita a Espanha e a Irlanda. Além disso lê e escreve. Morre serenamente a 9 de novembro de 1970. O seu legado permanecerá para sempre.  
  


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