segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE


   Tennesse Williams retratou a burguesia americana do sul com mestria.
   Fazendeiros. Ricos. Muitas crianças. Sem pescoço. Um ancião doente que se julga curado. Manobras da nora para lhe ficar com a fortuna. Um filho mole, viciado no álcool e a quem se atribuem uns devaneios gays. Uma esposa histérica com um marido colérico.
   Nada há de menos óbvio e mais subtil do que a escrita para teatro. O livro tem várias peças do mesmo autor. Todas excelentes.   


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

OS LINDOS BRAÇOS DA JÚLIA DA FARMÁCIA


   Um lord panasca que fazia bem a toda a gente. Até um dia. Uma mulher da vida com princípios.
   As memórias da baixa de Lisboa que desaparecem num incêndio. Le Beuret. O hotel e o café. A freguesia e os meliantes na ambiência da revolução argelina. Um estranho casal. A sua amizade com um jovem árabe. As bebidas, as refeições e as as iguarias que conduzem à desgraça. um crime ou um suicídio. O mistério que permanece.
   Os braços da Júlia são de facto bonitos. Muito bonitos. Deslumbrantes. De fazer perder a cabeça a qualquer um.


domingo, 19 de outubro de 2014

O BOTEQUIM DA LIBERDADE

   Eis o bar onde se conspirava, se faziam e desfaziam governos, se geravam movimentos cívicos, se recitava poesia, se planeavam acontecimentos e viagens, organizavam tertúlias e se apoiavam as jovens e velhas esperanças na escrita, na arte e na ciência.
   Por lá passaram políticos, escritores, artistas, fadistas e outros intelectuais e poderosos da nossa praça. Viveram-se os anos oitenta em delírio num local que era o poiso predileto de Natália Correia que aliás ele ajudara a fundar.
   Natália era de facto aqui omnipresente. A sua pujança, personalidade e visão da vida estavam sempre patentes na defesa da liberdade total. Propõe a adoção do conceito de mátria portuguesa e afirma que o nosso país tem características e encantos femininos. Segundo ele o futuro é a androginia. Como deputada foi sempre livre de condicionamentos partidários o que lhe valeu uma série de aborrecimentos.
   Protagonizou vários casamentos invulgares e dizia que não nasceu para procriar. Defendeu o direito à preguiça afirmando que o trabalho oprime e é inútil.
   Desconfiou das religiões tradicionais tal como se nos revelam. Defendeu uma religião renovada e responsabilizou as igrejas pelo descalabro social.  
   Divulgou obras de jovens autores que ajudou a lançar. A ela estes ficaram devedores de  gratidão e reconhecimento.
   Tinha uma especial predileção pelos seus Açores natal aos quais volta sempre com prazer.
   Deixou-nos uma vasta obra mas enfrentou alguns dissabores com a sua afirmação e divulgação.
   Adormeceu para a eternidade em 1993.
   Um dos seus principais amigos e admiradores deixou-nos este testemunho. Precioso e belo. Para que conste.
  



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

AGOSTINHO DA SILVA


   Nasceu em 1906 no Porto aquele que viria a ser um dos maiores intelectuais e pedagogos do século XX português. Formou-se em filologia clássica em 1928 com vinte valores e doutorou-se no ano seguinte. Era uma pessoa irrequieta sempre com projetos na manga.
   Publicou várias notas e estudos com o intuito de instruir e promover a cultura. Colaborou na «Renascença Portuguesa» e na «Seara Nova» revelando um caráter inconformado e maduro. Como bolseiro protagonizou várias iniciativas. Escreveu trabalhos para a imprensa da universidade de Coimbra e partiu para Paris em 1932 para fazer investigação na área da literatura francesa moderna. Regressou em 1937 e lecionou no ensino particular. Foi o centro de inúmeras polémicas intelectuais e desafiou e argumentou contra os mais variados vultos da época. Continuou a colaborar na «Seara» até 1937. Escreveu biografias almejando sempre o instruir e educar. Foram da sua autoria «os cadernos» nos quais explana temas ligados à ciência, literatura, vidas de pessoas ilustres, correntes filosóficas entre outros.
   O seu ideário de educação está virado para o futuro. É considerado um visionário, um louco pelo arrojo das suas propostas. Defende uma educação integral, prática que não se atenha à produção de cérebros cúbicos e acomodados. Esteve no Brasil de 1944 a 1969 onde ficou ligado à fundação de universidades e institutos que tinham como fito, na sua maior parte, o estudo das ligações transatlânticas e das culturas africanas e orientais. Procurou estabelecer laços com as então colónias portuguesas contra o governo que na altura estava no poder em Portugal. Desiludiu-se rapidamente com a evolução dos acontecimentos e regressou a Portugal. Continuou a escrever e a publicar.
   Mas a marca caraterística do filósofo foi a afirmação da superioridade da cultura lusa e a sua preocupação com o futuro no quinto império que traria a prosperidade e a grandeza à alma lusitana. Nesse mundo vindouro se instituiria o culto futuro do Espirito Santo em moldes milenaristas.
   Agraciado pelo seu contributo às artes e às letras desapareceu deste mundo corria o ano de 1994.  

sábado, 16 de agosto de 2014

CONTOS VAGABUNDOS


   A sabedoria e a erudição de um literato nas mais incríveis estórias que nos encantam. Breves e de desenlaces inesperados são as improváveis maquinações dos protagonistas. Cat e Gat deambulam por aí e transmitem-nos formidáveis lições em riquíssimos enredos que interpelam o leitor.
   Trata-se de contos que foram na sua esmagadora maioria pulicados em periódicos e reunidos neste livro. São um sopro refrescante e fazem parte da obra de um contista e romancista que já nos presenteou com muitas maravilhas. Acessíveis mas profundos, devem ser devorados com a avidez que é suscitada por tamanha ousadia literária.  


terça-feira, 15 de julho de 2014

VAGÃO J


   Esteve proibido pela censura do Estado Novo este maravilhoso livro.
   Os borralhos são uns ladrõezinhos reles, a pior escória que a terra portuguesa alguma vez produziu. Esta é a história das suas desventuras. Começa numa festa onde o Bogas, gabarolas das façanhas lá por Lisboa, recebe uma lição que tão cedo não esquecerá.  
   O Borralho foi preso. O Chico anda sempre lastimoso com a perna ensanguentada. O Manuel Borralho arrasta a asa a Maria do Termo. A sua mãe, desdentada e velha e desiludida com a vida relata como foi violentada e gerou a filha.
   As ruas da aldeia vão ser ladrilhadas. O Bogas dá ordens mas o sr. João manda mais. Na casa dos Borralhos o petiz quer ir para a escola aprender as primeiras letras. A mãe resiste à ideia mas o professor convence-a e dá a lousa e os livros ao rapaz. Por causa do ladrilhamento das ruas as casas vão ficar sem os balcões. Os aldeões debatem a obra e o professor discute tanbém a bondade do empreendimento. O presidente adverte o douto senhor e acusa-o de desvios ideológicos. O professor garante que não tem ideias politicas. Propõem-se tirar umas fotografias ao chinola para o gozar.
   D. Estefânia precisa de uma criada e Maria Borralho vai trabalhar para ela. A patroa argumenta que a jovem pode ser convertida e entrar nos caminhos da igreja.
   O dr. Soeiro quer que a Maria do Termo cante num rancho em Lisboa. A ti Ana não quer autorizar mas a rapariga vai. O professor anda à procura do aluno que anda a vadiar. O rapaz cai doente e chamam o médico.
   Chega o tio Gorra a casa dos Borralho. Traz prendas para todos. Lá está também o tio Cuco gago. Chove abundantemente O temporal faz prejuízos por toda a aldeia. O Carapanta e o Manuel trolha lamentam-se. O sr. João pergunta ao Borralho se quer fazer uma leira sua abandonada pelo rendeiro e ele aceita. Os Borralhos querem com que o médico acabe com a vida do velho mas este recusa-se. Na vinda embora do consultório o velho doente Chico Borralho suicida-se atirando-se para debaixo duma camionete.
   D. Estefânia quer que o rapaz que estuda siga a carreira eclesiástica e está disposta a pagar-lhe os estudos. A Maria do Termo recusa o Manuel Borralho outra vez. Há subsídios do estado para cobrir os prejuízos do temporal. Há dinheiro que chegue para as obras na aldeia. A recém-nascida filha de Joaquina Borralho berra e a mãe dá-lhe umas palmadas. Eduardinho, o filho de D. Estefânia assedia a Maria mas esta reage resistindo. João Borralho casou com a Do Gornicho. A Maria do Termo regressa derrotada. Morreu a TI Ana.
   A Maria do Termo foi mãe; dizem que o pai é o dr. Soeiro. O Chinola provoca o Manuel Borralho. Este acossado com as piadolas relacionadas com a maternidade de Maria do Termo, atira-se ao pobrezito para se vingar mas é impedido. O professor aprecia o desfile dos aldeões pelas ruas. O Bogas e o Manuel Borralho pegam-se à pancada e ficam ambos muito ensanguentados. A Joaquina vai ver o filho à enfermaria. A Borralho, boa parideira, tem mais um filho encostada na rua e é ajudada por um transeunte. A Maria rouba umas mercearias de casa da patroa. Joaquina Borralho insta a filha a conseguir algo de Eduardinho em troca dos seus favores sexuais. Maria do Termo parte cheia de sonhos. O Manuel Borralho mata o dr. Soeiro e é julgado e preso. Sua mãe vai visita-lo à cadeia. O Chinola quer a Maria do Termo que anda por aí. O Tonho abandona a aldeia de comboio para ir para padre. O Bogas regressa à aldeia. A Maria já não trabalha na casa de D. Estefânia mas juntou-se a Eduardinho, o filho da sua antiga patroa.
   O António vem de férias e vão espera-lo à camioneta. Mas ele já não é o mesmo e tem vergonha da família. O Calhau diz que ainda se há-de casar com Joaquina. O Tonho faz uma asneira e é expulso do seminário. Maria do Termo tem o terceiro filho e torna-se uma mulher de vida. O Manuel Borralho sai da cadeia. Finalmente Maria do Termo, como Joaquina Borralho cansada de parir filhos sem conta, cai-lhe nos braços. Joaquina junta-se com Calhau. O tio Gorra leva os Borralhos de comboio para Lisboa.   

segunda-feira, 16 de junho de 2014

CARTA DE GUIA DE CASADOS


   Escrito por um famoso moralista do século XVII não se sabe ou não se tem certezas a quem se dirigia mas parece ser um precioso manual de como governar o lar e ter em devida ordem a família.      
   Os amores são de diversa natureza mas não devem perder ninguém. A mulher deve ser modesta, não dada a muitos perfumes nem de muito falar. As suas amizades não podem ser um embaraço para o marido que é a cabeça da família. Rege-se de como se deve a mulher portar nas visitas à côrte e nas festas.
   As suas leituras devem ser castas para não lhes provocar devaneios e não devem ser propensas a adivinhações e beatices. Trata-se qual a regra sobre a amizade entre as casadas e as freiras que será evitada pois é causa muitas vezes de mexericos e desonras. A casa tem de ser mantida na ordem bem como as pessoas que circulam nas suas proximidades.
   O marido deve evitar gabar a sua esposa diante de terceiros visto tal ser sobejas vezes fonte de escândalos e suscitar aventuras e infidelidades. O casado deve acompanhar-se do casado e usará com parcimónia os jogos e as folias. Distingue-se o zeloso do cioso e aponta-se as diferenças e os perigos. O homem deve ter cuidado acerca dos segredos confiados às mulheres e imporá que a sua esposa se ocupe do governo da casa para não ter tempo para perder com tontices.
   Os bem-casados têm casa limpa, mesa asseada, prato honesto, filhos na ordem, esposa recatada e marido sempre presente.
   A prespetiva das relações sociais é de todo diversa da atual. Não nos atemos aos conceitos que são aqui propalados tendo-os como impróprios e ultrapassados. Mas a obra é um documento de época, precioso para analisarmos as conceções dominantes no Portugal de seiscentos. A mulher é encarada como submetida bem expresso na relevância dada à cultura das mulheres por um seu contemporâneo:

 «Deus nos guarde da mula que faz him
  e de mulher que sabe latim»


sexta-feira, 16 de maio de 2014

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA

 
   Assume particular importância estabelecer o que constitui a ciência e a boa ciência. A utilidade deste desiderato relaciona-se com a determinação do apoio à investigação por parte do estado e o investimento de dinheiros públicos em projetos científicos entre muitas outras coisas.  É dificultosa por vezes esta tarefa de conhecer o campo do verdadeiro conhecimento cientifico pois sofre constantes revisões a aquisição e a sistematização deste conhecimento. Há um grande ceticismo acerca da possibilidade de distinguir o que é ou não ciência. Precisamos decidir que metas e métodos caraterizam o pensar cientifico, pesquisar se disciplinas como a antropologia, a psicologia, a economia e a história podem ser consideradas ciência e qual as diferenças com a filosofia.
   Os positivistas lógicos acreditavam piamente nas potencialidades da ciência e justificavam o seu estatuto com base na sua estrutura lógica e as linguagens que ela utiliza. Mas outras linhas de raciocínio oferecem objeções a essas teorias. Karl Popper fala em falsificabilidade. Thomas Kuhn põe enfâse nos fatores sociais e históricos que determinam o sucesso de uma teoria ou curso de investigação. Por sua vez Thagard acentua o facto de o contexto poder fazer uma disciplina passar de cientifica a não-cientifica e vice versa.
   O pensamento sobre ciência é muito antigo e remonta à antiguidade grega. Na verdade já em Aristóteles a sua importância é evidente visando aqui a ciência a formulação de hipóteses para explicar um evento observado e rever as teorias caso as hipóteses não se mostrem alinhadas com a realidade. Aqui porém a ciência assumia um caráter muito primitivo. Mas o pensamento cientifico evoluirá  e a partir desta base conseguirá prodígios futuros. O salto verdadeiro foi dado quando o homem começou a intervir de facto na natureza.  No entanto durante muito tempo o que se sabia sobre a ciência não se afastava de observações ligeiras e por isso a distinção entre filosofia e ciência resultava muito difícil.
   Entre as afirmações há as sintéticas, sobre as quais não podemos saber se são verdadeiras ou falsas ao refletirmos sobre a sua estrutura lógica ou o significado dos seus termos; e as analíticas, em que podemos dizer se são verdadeiras ou falsas em face do referido anteriormente. Ora, segundo os positivistas lógicos as afirmações sintéticas só têm significado se forem corroboradas pela experiência. Há no entanto aquelas que não são pela sua natureza verdadeiras ou falsas mas que nunca poderiam ser verificadas empiricamente. Estão neste caso, por exemplo, as afirmações éticas. As afirmações cientificas distinguem-se das da lógica, filosofia, religião ou da literatura por serem sintéticas e verificáveis pela experiência.
   Segundo Alfred Ayer as afirmações éticas nunca podem ser verificadas pela experiência. Isto conduz-nos a infindáveis discussões sobre a matéria sem qualquer resultado palpável. Trata-se aqui de encarar as coisas como elas deveriam ser e impregnadas de uma clara dimensão normativa.
   Hans Reichenbach argumenta que estas afirmações são expressão de inclinações e desejos e por isso nada valem.
   A metafisica é encarada enquanto poesia. O mundo das formas não pode ser apreendido pelos sentidos e não sendo os seus postulados analíticos também não podem ser verificados pela experiência. No entanto as hipóteses metafisicas desempenharam um importante papel no desenvolvimento e na história da ciência.
   O positivismo lógico propõe portanto o critério de verificabilidade como baluarte da veracidade das afirmações cientificas e Popper contrapõe esta tese dizendo que a ciência é diferente de pseudociência pois aquela pressupõe a produção de hipóteses falsificáveis. Mas este critério também não parece suficiente já que há hipóteses falsificáveis que não são cientificas e o contrário.
   Thagard concorda com Popper que, por exemplo, a astrologia é uma pseudociência mas refere que este facto não tem a ver com a falsificabilidade tal como Popper a defendeu. A disciplina cientifica pressuporia assim métodos e princípios partilhados e assentes por uma comunidade de praticantes. Na tentativa de ridicularizarem a astrologia alguns teóricos defendem que ela tem origens religiosas. Paul Feyerabend, por sua vez, lembra que também uma ciência respeitável como a química parece provir de antecedentes mágicos: a alquimia.
   As ciências sociais e humanas possuem uma metodologia específica e outras especificidades muito próprias. O seu objeto é a compreensão do real. Se nos ativermos à sociologia reconheceremos que as generalizações são aqui infrutíferas e as observações não são repetíveis e por isso não é viável fazerem-se experiências. Além disso as diversas variáveis não podem ser controladas e portanto é no geral complicado fazerem-se previsões. O sujeito que investiga é ao mesmo tempo o objeto da investigação. Num grupo social o todo é sempre maior que a soma das partes (holismo). A compreensão que buscamos implica por seu lado uma relação de cumplicidade e empatia.
   Kincaid diz que pode haver leis em ciências sociais, não à maneira das ciências exatas como a física, mas como afirmações que isolam fatores causais relevantes. Os fenómenos investigados são pessoas dotadas de livre arbítrio e por isso únicos.
   Relativamente ao pensar cientifico devem tecer-se alguns comentários.
   As afirmações a priori apoiam-se nas convenções matemáticas ou resultam de disjunções que se excluem mutuamente. Por seu lado nas afirmações a posteriori a sua verdade ou falsidade não pode ser aferida sem nos basearmos em experiências anteriores, em indícios ou em testemunhos próprios ou alheios.
   As nossas crenças podem ser verdadeiras ou falsas; justificadas ou injustificadas. Uma determinada crença pode ser justificada mas não ser verdadeira. Estas ou resultam da observação ou radicam em autoridades cientificas, em livros, boatos, na Internet ou em qualquer outra fonte.
   Existe o debate clássico e antigo sobre em que radicam as nossas crenças e se o pensamento cientifico obedece a um método dedutivo ou indutivo. A dedução não acrescenta nada ao nosso conhecimento. A indução por enumeração, pelo contrário, sustenta as nossas crenças nos fenómenos gerais em virtude da experiência de fenómenos particulares anteriores. Na inferência para uma melhor explicação procura-se a melhor teoria que explica todas as pistas disponíveis. A dúvida reside na avaliação dos poderes explicativos das hipóteses consideradas.
   O método de Francis Bacon constante na sua obra «Novum Organum» visa contestar a obra centenária de Aristóteles e parte da experiência sensível, passa para os axiomas inferiores e destes para os superiores cada vez mais gerais. Dos axiomas superiores obtêm-se as leis da natureza e opera-se a observação de outros fenómenos.
   A revolução copernicana representou uma mudança importante na conceção e no paradigma como se entende a ciência. A autoridade dos filósofos do passado é contestada. Sobrevaloriza-se a matemática encarada como a linguagem da natureza e emergem novos enquadramentos explicativos. As experiências anteriores embora existissem não possuíam o modo nem a centralidade de uma nova metodologia. Apenas a obra publicada em 1687 conferiu uma nova legitimação à experiência na prática cientifica. Ficou assente que a ciência exige uma dimensão colaborativa e a aprovação de uma comunidade de praticantes.
   As experiências mentais são aquelas que são realizadas na cabeça do experimentador. Este tira conclusões com base em experiências que radicam a sua concretização na impossibilidade física ou tecnológica de se efetivarem na prática. A importância e a fiabilidade de tais experiências são controvertidas. Se alguns autores pugnam pela sua autoridade e valia outros têm opinião contrária.
   Thomas Kuhn e Tamar Szabo defendem que as experiências mentais podem induzir reformas concetuais e levar à substituição duma teoria por outra. Outros defendem que estas experiências se situam no domínio dos argumentos a priori mas não possuem valor próprio. Isso sustentam por exemplo Norton e Atkinson. Outros ainda alegam que as experiências mentais nos trazem conhecimento novo e alargam o conhecimento a priori (Brown e Bishop). Este último acrescenta que os cientistas podem chegar a conclusões diferentes mesmo se debruçando sobre a mesma experiência mental. 
 


quarta-feira, 16 de abril de 2014

UM AMOR FELIZ

 
   O artista- e que grande artista!- tivera uns casos fugazes com uma portuguesa mal amanhada e uma belgazita  a quem gozava a seu bel prazer. Mas nenhum se comparara com a paixão e lascívia que tivera com a Y. O marido da pediatra confidencia com a esposa do pediatra num colóquio de pediatria. Nem sabe porque o faz. O amor com a Y tinha então um mês.
   Um jantar oferecido por latino-americanos para agrupar os representantes das várias atividades sociais. A mãe da Vicky. O seu marido. Conhecera a Y. Seu retrato. Tem uma agradável conversa com ela. Faz o contraste entre a Y e a esposa do pediatra e discute com esta a fealdade dos seus poemas. Fica fixado nas suas nádegas e nos olhos da Y. Os lindos olhos, ora verdes ora azulados.
   A Y envia-lhe um bilhete pedindo-lhe que telefone. Na loja tenta arranjar moedas para o telefonema. Encontra-a. Fazem amor. Todos perplexos. O artista viaja pela esposa de vinte, vinte e dois e vinte e quatro anos. Evoca conquistas amorosas, lugares e situações. Elogio da Y. Seu corpo e sua personalidade. Os encontros no ateliê. Um incomodativo bilhete no para-brisas do automóvel exorta ao evitar de um escândalo. 
   O mestre recorda a sua mãe aos vinte e oito anos. A Ta. O padrasto. Lembra-se da infância. A Ta que fôra para o sanatório. Já adulto a viagem a Itália. Pensa na Y. Desassossegada nunca amara o seu marido. O xaile da Y. A Xô. Recordações de Roma. A casa do Alentejo da Y.
   A escritora fala-lhe do pai sem a desenvoltura com que o faz a Y. No bar. As mãos atrevem-se. Vai com a escritora e o seu marido ao parque Mayer. O canadiano vai com eles.
   O atelier na praça junto ao Tejo. O carro da Y estacionado. Ela sai de dentro e caminha sobre o paredão. Espreita-a pela janela. Outra mulher cruza-se com a Y. Esta bate à porta. Entra e pede-lhe de beber. Serve-lhe champagne. Pergunta pela amiga do artista, esposa do pediatra. Diz-lhe que doravante usará maillot. Lamenta não o ter conhecido mais cedo.
   Fazem amor. Conversam. Querem ir ver a escultura da praça. A Floripes quer dar uma palavrinha ao mestre. Diz-lhe que o acha muito debilitado e adverte-o de possíveis escândalos resultantes dos seus encontros com a Y.
   O artista sai pela marginal e abeira-se duma esplanada. Ao lado da sua mesa está outra vazia. Lá longe na praia vê a mulher do pediatra numa relação clandestina com um seu velho conhecido.
   Convites. Convém que ele e a Y compareçam de fato-de-banho. No atelier vende uma peça. O mestre acusa a Y de se querer esquivar dele. Propõe-lhe viverem juntos mas não sabe se a há-de pôr ao corrente dos papeis no para-brisas do carro.
   As histórias das mulheres do mestre. A Y outra vez no atelier.
   Na festa estão os aristocratazecos da politica e dos negócios. Toda a gente fala de banalidades junto á piscina. Algumas mulheres mais ousadas fazem topless. A informação 1 e 2.  
   Vana na beira da piscina. Vana, a artista. Conversa com a Vana. Na festa junto à piscina. Mulheres nuas. Aparecem a Y e o marido. Vana garante que guardará o segredo do mestre visto ter ela própria um segredo. A mãe do mestre está num lar. Vagueando por Lisboa. vai para o atelier. Recebe cartas, convites para exposições e uma revista de arte com um artigo sobre obras suas. Batem à porta É a Vana. Dialogam por breves minutos e por fim a Vana vai-se. Chega a Y. Traz uma camisa de noite. saem de carro. Param junto da quinta . Beijam-se. Dois vultos ao longe. Um deles  é a Vicky.
   Encontra o pediatra numa livraria. Vão beber um copo. Em conversa o mestre diz-lhe que tem um amigo que se encontra com a amante lá no atelier.
   A esposa vai fazer um eletrocardiograma.
   A esposa do mestre e suas tias.
   Em conversa recorda Itália com a esposa. Esta recusa dar-lhe pormenores sobre o eletrocardiograma que realizou. Conta que teve um furo no pneu do carro diante do marido da Y.  
   O encontro com o Niassa, um folgazão dos tempos de estudante. Um homem peculiar. Deambulam juntos. O amigo partilha as suas estórias. Finalmente separam-se. O mestre passa por casa para ver se tem correio e descobre entre os sobrescritos uns versos escritos pela esposa do pediatra. A ânsia da fuga. Os projetos de fuga não concretizados durante a infância. Outra vez a Ta. A nudez de Isolda, a costureira. À espera da Y. Na barbearia do Palminha. A Zu, a filha da Floripes. Procura a Y pelas estradas do Alentejo e do algarve, na fábrica do marido e na casa dos curiosos ameríndios.
   Conversa do mestre com a esposa. As viagens. A evocação da Y. A sessão de televisão em casa. No telejornal aparece uma notícia sobre um escândalo de corrupção financeira protagonizado poe diplomatas e estrangeiros. Um telefonema de Londres. É a Y. A Zu saboreia um gelado. O mestre salva-a dos gambozinos. Suja o vestido com o saboroso pitéu. O mestre ajuda-a. Combina posar para ele. O mestre tem a mãe num lar, vai lá visita-la e encontra aVana que tinha ido ver a sogra.
   A Zu posa para o mestre. Serve-se de comidas e bebidas no atelier. Mas os desenhos do mestre não saem nada bem. Combinam retomar a sessão mais tarde. Ele vai a casa ver se tem correio. A sua esposa dá-lhe a notícia de alguém lhe ter telefonado de Londres. É a Y. Uma pessoa escrevera-lhe. Essa pessoa quererá falar-lhe pois morreu o Niassa. Era a Laurentina, velha conhecida sua, meia-irmã do Niassa. Quando o mestre a procurou em casa esta disse que o irmão tinha um quadro para ele. Mas um terrível incêndio acontece então na moradia. A informação 2 aparece. Os bombeiros também. O mestre espera o telefonema da Y. A Zu posa outra vez semi-nua no atelier. Conta-lhe que posa para o médico da filha durante as consultas. A Y já está em Lisboa.
   Aparece no atelier. Está nervosa e por vezes exalta-se. Parece preocupada. O mestre tenta compreender. Combinam encontrar-se novamente. À saída a Y é seguida por um carro e fica intrigada. Volta para trás. A Floripes vê a Y à entrada do atelier.  
   A menina Isolda, a costureira, nua para o mestre.
   A Vana aparece nas imediações do atelier e fala com ele. Volta a aparecer o papelucho no para-brisas do carro. Ela chama a atenção do mestre para uma critica a obras suas que vem no jornal mas ele só repara no escândalo que lá vem relatado envolvendo empresários e diplomatas estrangeiros e onde o protagonista principal é o marido da Y. A festa em casa dos ameríndios está sinistra e já não é o que era noutros tempos.
   A Zu comparece no atelier. O mestre confronta-a com os papeluchos e acusa-a de os ter escrito. Ela confirma.
   A esposa do mestre está muito nervosa com as suspeitas que pendem sobre o colega acusado de ter mantido sexo com uma rapariga. O médico terá dito que o mestre lhe passou a rapariga depois de a abusar e pressiona-a no sentido de obter os seus préstimos. Ela sente-se indisposta e recorre aos serviços de urgência do hospital.
   A Y escreve outra vez. Reencontro ou despedida?


segunda-feira, 24 de março de 2014

SPÍNOLA

   António Spínola nasceu na rua de Serpa Pinto em Estremoz em 11 de abril de 1910. Provinha de uma família conservadora e seus pais cedo lhe incutiram os valores cristãos, de retidão e caráter. Estudou no colégio militar e é no oficio castrense que mais se vai distinguir ao longo de toda a sua vida. Subiu paulatinamente os degraus da hierarquia com brio e distinção e escolheu a arma de cavalaria na qual se iria afirmar.
   Chegou a publicar uns artigos na «revista de cavalaria» sobre o exército nos quais revelou um espirito moderno, aberto às novas conceções da guerra e ao progresso técnico e atreito às qualidades militares de lealdade, disciplina e arrojo. O seu pensamento já anunciava as novas teorias que se haviam de afirmar alguns anos mais tarde.
   Os anos do pós-guerra não foram nada fáceis para a família de Spínola que após a morte do general Monteiro de Barros se viu em dificuldades marcada pelo infortúnio e pela doença. Mas esses tempos foram superados e a sorte mudou. Spínola faz carreira na GNR e em 1953 é convidado para a Comissão de Regulamentos da Arma de Cavalaria que acumula com um comando da GNR. Advoga que o exército se deve abster da politica mas em momentos graves deve intervir na cena social atendendo à delicadeza de certas situações. 
   Em Angola, para onde se ofereceu para ir combater, vai para a frente de batalha com os seus soldados e mostra-se avesso a ficar parado sentado a uma secretária. Discorda da politica ultramarina do governo da metrópole preferindo uma atuação que privilegie a abertura às populações autóctones e o progresso económico e cultural. Teve alguns dissabores com Lisboa e atritos com o governador. Defendia uma solução federalista para o ultramar que consagrasse a cooperação com os indígenas tentando atraí-los para as suas causas. Sobe gradualmente toda a hierarquia militar até se tornar General.
   Na Guiné para onde vai como governador geral reivindica a atenção da metrópole para os problemas específicos da colónia e teme o efeito que uma derrota militar poderia ter na politica externa portuguesa. Encontra-se com os líderes do PAIGC para os ganhar para uma solução que consagre os direitos dos povos indígenas e os concilie com o prestígio do estado português como potência colonial. Arrisca várias vezes a vida. Defende uma politica de investimentos na melhoria das condições de vida dos guineenses para os seduzir para o convívio com os portugueses. Introduzem-se então vários melhoramentos mas o governo central desautoriza constantemente a politica seguida na Guiné e não dá atenção às necessidades militares e politicas da colónia.
   O consulado de Marcelo Caetano cedo se revelou uma desilusão. As constantes reivindicações de Spínola não encontravam eco no ministro do ultramar e no presidente do conselho. Spínola quis ser o indigitado para suceder a Américo Tomaz cujo mandato chegava ao fim. Caetano optou por prorrogar o mandato do presidente da república em detrimento de alguém com ideais mais reformistas e inovadores. Spínola manteve contactos com a fação liberal de Sá Carneiro e Magalhães Mota mas discordava da prioridade que esse grupo dava à democratização do país. O general preferia resolver primeiro o problema do ultramar.
   Os meados dos anos setenta vão encontrar Spínola em rota de colisão com Caetano. É o tempo em que a sorte mudou de vez. Amílcar Cabral havia sido assassinado segundo se dizia por uma fação dissidente do PAIGC mas suspeita-se que a PIDE também estaria envolvida. Os soviéticos fornecem os mísseis strella aos guerrilheiros que passam a fustigar as posições portuguesas. A segurança das tropas na guiné é posta severamente em causa.
   Spínola pede reforços. Mas o país não está em condições de disponibilizar assim tantos meios. Reúne-se com o CEMGFA, o general Costa Gomes e expõe-lhe a situação. Decide-se retirar de zonas pouco defensáveis e concentrar os recursos nos grandes centros. O governador protesta perante o ministro do ultramar sem sucesso.
   Sabe usar os jornalistas para a sua própria projeção pessoal e não se poupa a convivialismos e encenações. Recebe profissionais da várias partes do mundo e perante todos desenvolve uma sedução baseada no seu encanto pessoal e no prestigio enquanto militar. Spínola torna-se um mito. Leva os jornalistas a ver os progressos da Guiné sob o seu consulado e tenta transmitir uma imagem de feliz normalidade. Sabe ser ríspido mas por vezes condescendente para os seus subordinados e inculca neles a obediência e a disciplina.
   Mantem uma correspondência relevante com personalidades influentes e divulga os livros que escreveu durante o período que esteve na Guiné: «Por uma Guiné melhor», «Linha de ação», «caminho do futuro» e «Por uma portugalidade renovada». É sua convicção que o problema colonial é essencialmente politico e não pode ser resolvido unicamente no plano militar. Então regressa definitivamente a Lisboa.
   A guerra colonial era muito impopular. Milhares de mancebos emigravam para escapar à mobilização para África. Havia muitas baixas. O moral das tropas era fraco. As autoridades em Lisboa também não ajudavam muito. A solução só podia ser politica. Como Spínola preconizava.
   Há uma situação de impasse militar nas colónias mas logo a situação se começa a deteriorar. As reivindicações, os avisos e os projetos de Spínola não são ouvidos. O general demarca-se do congresso dos combatentes e com ele muitos outros generais e praças. É convidado para ser o novo ministro do ultramar e por isso são-lhe perguntadas as suas ideias mas ele diz que estas já são sobejamente conhecidas do Presidente do Conselho. A remodelação faz-se mas não contempla Spínola. Kaulza de Arriaga condena o imobilismo de Caetano e planeia um golpe de estado secundado por muitos militares mas Spínola não alinha. Procura-se a adesão do MOFA mas estes indagam as intenções dos revoltosos no plano interno. Este grupo decide boicotar a intentona e avisa Spínola e Costa Gomes que correm risco de vida. Spínola é nomeado vice-CEMGFA contra a vontade do Presidente Américo Tomás. O general quer publicar o seu livro mais polémico « Portugal e o futuro» no qual defende ideias novas que incomodam os homens do establishment. Spínola pede a devida autorização a Costa Gomes e esta é concedida. Silva Cunha aquiesce a contragosto. Caetano concede pois teme as ondas de choque de uma eventual proibição.
   Caetano sente-se incomodado com o impacto do livro.. Põe o seu lugar à disposição do presidente. A direita conservadora pretende a exoneração de Spínola e Costa Gomes mas o movimento dos capitães apoia os dois generais.
   Caetano procura ser fiel ao seu programa de governo que prossegue primeiro com a revisão constitucional de 1971 e depois com uma série de medidas politicas e legislativas. Considera o livro de Spínola nocivo e provocador de inúmeros danos no plano interno e externo. Apenas reconhece à Assembleia Nacional o direito de se pronunciar sobre a linha politica do governo. Spínola tenta ser conciliador mas o Presidente do Conselho refuta com veemência essa posição.
   Caetano encontra Tomás indisposto com a publicação do livro de Spínola. Aquele demite-se mas a sua demissão não é aceite. Há rumores que colocam Spínola em Ponta Delgada mas a sua presença com colegas em atos oficiais desmente as notícias. Caetano planeia uma cerimónia de vassalagem mas Costa Gomes e Spínola não aparecem e são exonerados. O CEMGFA é substituído por Luz Cunha, até ali Comandante-Chefe em Angola. O cargo de Spínola é extinto.
    


quinta-feira, 20 de março de 2014

COM O DIABO NO CORPO

   A ambiência nas vésperas da grande guerra.
   As façanhas do jovem . Uma carta ousada que lhe vale uma reprimenda do diretor e a angustia do adolescente. A louca do telhado. a criada dos Maréchaud que tanto perturba o prestígio do conselheiro municipal.   Os acontecimentos imprevistos que faziam supor que o pior estava para vir. O conhecimento dos Grangier. Marthe e o assédio do rapaz. Ela falta a um compromisso com os sogros para estar com ele. O passeio com Marthe. Transige e manipula-a em jogos de sedução. Falta às aulas. Pensa ter sido expulso da escola e avisa o pai que lhe pergunta o que é que ele pretende fazer. Diz que quer pintar.
   A casa de Marthe cujos móveis ele ajudou a escolher. Na casa de Marthe estão bem aconchegados. A lareira. Os cabelos escorrem-lhes pela face. Beijam-se. O marido dela está longe na guerra. A luta interior entre amar ou não amar Marthe. Queima as cartas do marido na lareira. Ela já não ama Jacques. Amam-se junto à lareira quentinha que ardia alimentada pela lenha que vinha dos sogros dela. O marido escreve-lhe cartas mas ela reage secamente.
   O rapaz vai ter com Marthe a casa dela. Diz aos pais que combinou com René uma caminhada. A mãe oferece-lhe um cesto com mantimentos. Recusa mas a mãe insiste. Sai à socapa de madrugada. Pula o muro. À chegada, Marthe confunde-o com o marido que vai ter uma licença de oito dias. O jovem e ela amam-se em segredo. A sra. Grangier toca à campainha procurando por Marthe mas a filha não responde.
   Jacques, o marido longínquo de Marthe, vai ter uma licença. A esposa deverá encontrar-se com ele mas o jovem amante faz a rapariga prometer que lhe escreverá todos os dias. Mas os dias passam, as cartas de Marthe chegam e ele sente-se desconsiderado pelos correios pois não querem entregar-lhe as cartas por ser menor.  René mostra-se espantado a respeito do passeio perante os pais do amigo e eles descobrem assim a mentira. As pessoas afastam-se dele e de Marthe pelo facto de serem amantes. Recusam cumprimenta-los. René é expulso do liceu Henry IV. Os pais veem uma carta perdida dos dois na sala mas nada dizem. A mãe do rapaz condena. O pai aprova vendo no enredo uma prova da virilidade do filho e não age.
   Jacques vem para junto de Marthe gozar a licença. O jovem sente remorsos por estar a desviar a namorada dos seus deveres de esposa. Marthe trata o marido com frieza. A mãe encoraja a atitude e os pudores da filha. Jacques acaba por se ir embora. O jovem incita a amante a escrever ao marido cartas doces. Marthe provoca a desconfiança dos pais ao não aceitar uma empregada.
   Em casa do Marin, conselheiro municipal, vai haver uma festa que tem como propósito tornar público o seu hábito de espiar os tagatés entre Marthe e o rapaz. Os dois são avisados e, apesar de se porem à escuta, não ouvem nada. Perante o gorar das promessas dos Marin os seus convidados saem revoltados. Os jovens passeiam de barco no Marne.
   Jacques está doente. Indagam os dois se Marthe deve ir ter com ele. O dilema ali é até quando manter o segredo. O jovem assume-se então como o guia moral da namorada. Marthe anda nervosa por ter de se juntar ao marido convalescente numa praia da Mancha. Não tem coragem de dizer ao jovem amante que está grávida. Mas diz. E ele tem um misto de reações de orgulho, amor e repulsa. Marthe vai ter com Jacques. O jovem quer que o seu filho que Marthe concebeu passe por ser o filho de Jacques.
   Marthe ausenta-se por uns dias e pede ao seu jovem amante que continue a ir a sua casa. O rapaz encontra no comboio uma amiga de Marthe. Convida-a a ir lá a casa e envolvem-se e beijam-se no seu interior. A sua amante escreve-lhe dizendo que o senhorio tinha denunciado os encontros com Svéa. O rapaz inocenta-se perante ela e enfim dá-se o seu regresso. Ficam os dois a morar em casa dos pais de Marthe.
   Conhece Paul. Este revela-se um grande amigo da sua relação com Marthe. A sua amada quer arranjar um apartamento em Paris mas o rapaz prefere o campo. Marthe diz-lhe que contou aos pais e ao marido acerca da sua gravidez. Os pais do jovem e de Marthe tomam conhecimento mas o seu pai reage tarde e de forma débil.
   O pai do rapaz adverte que acusará Marthe de desvio de menor. Exceto os pais dele todos pensam que o filho é de Jacques. O jovem recebe bilhetes dos pais instando-o a voltar para casa mas não cede. Começam a procurar um quarto no hotel para dormir. Marthe cai doente e o seu jovem amante chama um médico. É então que vai para casa dos pais. A criança nasce prematura. O jovem primeiro começa por duvidar que o bebé é seu filho mas depois convence-se. Jacques regressa definitivamente para a beira de Marthe pois a guerra termina. Marthe falece repentinamente quando a felicidade era quase total. O mundo parece desabar. O amor que lhe dedicara e o súbito apoio da família ajudam-no a superar a sensação de perda.   
         


quarta-feira, 5 de março de 2014

AUTO DA BARCA DO INFERNO

 
   Desfilam os fidalgos e os filhos da plebe na derradeira viagem rumo ao além. Tentando a todo o custo escapar à barca do inferno cujo algoz sempre pronto a arranjar fregueses subtrai ao anjo os candidatos à gloria do reino. Só escapam os cavaleiros e um parvo. Os outros por uma coisa ou outra embarcam rumo às terras infernais. O dedo acusador de Gil Vicente aos vícios das ordens, sua caraterização e os préstimos de uns e outros. Como se vê os podres que têm as sociedades de todos os tempos e como nos transportamos de facto para uma época que em todas as suas facetas bem podia ser a nossa.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

PÁTRIA

   Alegoria poética. Peça de teatro em verso. Crítica dos costumes e da corrupção nacional, não poupa ninguém nem a burguesia, nem a nobreza, o Rei ou mesmo o clero. Na verdade julga-se o «padralhame» o culpado da decadência nacional. Advoga uma ressurreição do país, um revigoramento pelos seus mais diletos filhos.
   Confia que a intelectualidade logrará alcançar o tónus moral de uma sociedade obscurantista e submetida. Assume-se mais como panfleto anticlerical mas não só. Crê-se que a república abrilhantará o Portugal futuro. Por alturas do ultimato de 1890  denuncia uma monarquia mole, sem princípios e afogada nas suas contradições. Retrata o colapso do Portugal oitocentista e assume uma atualidade que não podemos descartar.
   A capacidade dos escritores, poetas, artistas e mártires pelo seu sacrifício recuperará a velha glória perdida. Condena o narcisismo de muitos e a submissão ao dinheiro que oprime e subjuga. É possível, talvez, fazer um paralelo entre o Portugal do século XIX e o país que temos no dealbar do terceiro milénio.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

FILHOS DA COSTA DO SOL

   A década de setenta do século XX foi um período fantástico a todos os níveis. O tempo em que se fez o 25 de abril. A esperança no futuro. A liberdade sexual. As festas e os convívios. O fulgor de uma juventude que acorda para a beleza do mundo adulto. A praia. O álcool e os excessos. As férias de verão. A nudez dos corpos. O conflito de gerações. A concretização da paz e amor.
   Esta é uma estória sobre essa época.
   Chico e os seus amigos vivem aqueles dias fantásticos que foram o tempo de todas as ilusões. A escola não lhe interessa. as aulas são sensaboronas e prefere o convívio com os colegas e as longas jornadas de engate. Naquele verão pulula pelos hotéis do Estoril juntamente com o Manuel, o bem sucedido Luís e outros. Conhecem umas inglesas com quem vivem uma tórrida noitada. A praia está sempre omnipresente seja com quantas estrangeiras fôr. Os charros acompanham-nos e vão transformando estas personagens em trágicos farrapos humanos. Ei-los a caminho de Torremolinos mas fazem um desvio e passeiam-se pelo algarve. O entardecer na praia inebria as suas mentes.
   O ano na escola perdera-se e as férias já lá vão. Contam-se as aventuras passadas recheadas dos mais intensos pormenores. O pai do Chico partira para África mas o seu irmão regressa de Moçambique e há festa lá em casa. Estão a tia Rita, o tio João, a Sofia, namorada do Pedro e a empregada Beatriz.
   O velho desagradado com o chumbo por faltas do filho dá-lhe a escolher entre ir trabalhar ou sair de casa e Chico arranja um emprego como rececionista de um hotel.. A sua nova ocupação começa com umas trapalhadas mas enfim consegue adaptar-se. O vinte e cinco de abril vem apanha-lo em pleno trabalho.
   Discute-se politica. Fazem-se plenários de trabalhadores. Apresentam-se reivindicações. O Chico sente-se superior por ter um trabalho e poder dispor de dinheiro e fazer o que lhe apetece.
  O país fervilha de agitação. É a época das manifestações, comícios, protestos e músculos. No hotel Brasil os trabalhadores reúnem-se com os patrões e fazem as suas exigências. Conseguem tudo mas o Chico, farto daquele ambiente de tédio, demite-se do seu trabalho. Passa a viver do seu pecúlio entretanto ganho com tanto sacrifício e a frequentar as boîtes e os comes-e-bebes da moda. Com o Manel e o Luís ruma à bonita Cascais e entra no Adam's para de divertir e tentar mais uns engates. Lá encontra a tia Rita lambuzada num homem o que muito o desilude. A sua tia rumará ao Brasil de onde lhe escreve umas cartas um tanto côr de rosa.
   Os três amigos acabam por se separar. O pai do Luís aceita um trabalho num banco em São Paulo e o filho lá cursará direito. O Manel entra no serviço cívico e também cursará direito. O Hotel Brighton é nacionalizado.
   1976. O 2000 está ao rubro. Há miúdas giras por todo o lado. A Marta, uma antiga colega do liceu, tenta aproximar-se do Chico. Tinha enveredado por uma vida de vício e encontrava-se mergulhada nas drogas pesadas. Chico andara a viajar pela Europa e regressara com uma mente muito arejada. A vida era difícil, havia desemprego, carestia de tudo mas era a época dos grandes ideais. Algumas mulheres não tinham aguentado o declínio dos maridos e para elas o divórcio foi a última opção. O pai do Chico encontra-se desempregado também mas a esposa apoia-o. Acaba por arranjar um trabalho na África do Sul para onde se muda de seguida. É lá que o seu irmão Duarte vai estudar engenharia.
   Chico tem um caso com Ritinha mas quando a Marta lhe telefona, e embora inicialmente contrariado, acede a encontrar-se com ela numa esplanada onde lancham e é com ela que vai viver um tórrido romance. Passeiam pelo paredão e amam-se no Guincho até de madrugada envoltos em cobertores. Chico tenta libertar a Marta das drogas mas trata-se de uma tarefa difícil. Um belo dia tem com Manel uma conversa filosófica onde discorre sobre os valores tradicionais que lhe são tão caros, a luta de classes, as mulheres do proletariado, o socialismo à soviética ou à chinesa e a utopia da transformação da sociedade. Pedro convida-o para almoçar com ele e informa-o que aderiu ao PPD.
   Chico e Marta vão para a quinta do avô desta na zona de Arouca passar alguns dias. Chegam a lá estar mais de duas semanas em contacto com a natureza encantada e rebelde do norte. Amam-se em pleno. Ele sente que a namorada não se consegue libertar das drogas e, desesperado, interpela-a mas Marta dá uma desculpa esfarrapada tentando justificar a existência de medicamentos guardados numa gaveta do quarto. Mas este episódio não estraga o desfrute da paz e tranquilidade da propriedade do velho.
   Para poderem ficar juntos urgia que ele arranjasse trabalho. A Marta queria cursar Belas-Artes. A sua primeira tentativa será ser vendedor de livros mas não gosta. O seu colega é um fanfarrão e as pessoas fúteis só se interessam pelas capas pouco importando o que lá vem escrito. Passa uns dias fabulosos em casa com a Marta em esplêndidos repastos. A namorada conta que tentou inscrever-se na faculdade. Vai a Lisboa falar com um tal Mueller e fica como empregado numa firma que negoceia e fabrica tintas. De início sente esperanças mas depressa sobrevem a desilusão. Acaba por se demitir do emprego. Luís escreve-lhe do Brasil a convida-lo para uma viagem pelos Andes. Mas o pior é contar à Marta que deixou o trabalho e a vai abandonar temporariamente para fazer a tal viagem. Ela fica em lágrimas. Com um pressentimento ruim procura-a no 2000 perto do Leonel e intuitivamente segue até ao Guincho. Lá está a Marta desfalecida na areia rodeada de barbitúricos. A namorada não aguentou a desilusão e o desvanecer de todos os seus sonhos. Marta morta. Marta no abismo.